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COMO ERA GOSTOSO O MEU SÃO JOÃO (RAMALHO LEITE)

 

Nunca ouvi falar que alguém, por mais carola que seja, tenha saído de casa no dia de São João para assistir a uma missa. A festa desse Santo é outra. A data de 24 de junho, reconhecida como do nascimento de João Batista começava a ser comemorado na véspera, quando era acesa na frente de casa uma fogueira. A tertúlia era puramente familiar, desde as comidas típicas da época à reunião dos parentes ausentes que, aproveitavam os festejos juninos para o reencontro. De Santo Antônio a São Pedro, o gosto das comidas de milho e a fumaça das fogueiras davam o tom da alegria, fugindo do busca-pé e da ação saltitante de pequenas bombas. Alguns acrescentavam ao pé da fogueira um mastro com a imagem de São João na ponta.
E como a festa começava em casa e no máximo alcançava a calçada, era na mesa que residia a principal atração. Na minha casa, como filho mais velho, para mim era reservado o privilegio de raspar o tacho da canjica. Não sendo egoísta, costumava dividir com meus irmãos, cada qual com uma colher na mão, recolhendo na parede do tacho de cobre, o resto da iguaria que ficava ali grudada. À noite, na mesa, eram exibidos os pratos de canjica com desenhos feitos de canela em pó. “Viva São João” era a frase mais comum que minha mãe desenhava.
A festança, com os anos, foi transformada em folguedo de rua, que se enchia de fogueiras, fumaça e rojões. Às vezes subiam balões, sob aplausos. Apareceram os primeiros bailes e as quadrilhas estilizadas foram sendo organizadas, com direito a casamento matuto, com padre e tudo. A festa de São João virou palco de uma música que traduz a alma nordestina e, Luiz Gonzaga, virou sinônimo do evento. Data de 1950 a primeira gravação do Rei do Baião que batizou o que ainda hoje é denominado de forró: O Forró de Mané Zito já soma mais de setenta anos.
O chamado forró tem esse nome atribuído aos americanos estacionados em Natal durante a segunda guerra, quando eram chamados a participar de bailes populares destinados a todos: for all (para todos). Outros preferem buscar sua origem em forrobodó, constante de nossos dicionários desde 1899 e que serviu também para batizar uma opereta de Chiquinha Gonzaga. O certo é que esse é o estilo musical preferido das festas juninas que, aos poucos, vem sendo deturpado por organizadores de eventos grandiosos que colocam o lucro acima das nossas tradições culturais.
Quem promove o São João raiz prefere o Xote das Meninas, de Gonzagão e Zé Dantas: Mandacaru quando fulora na seca/é sinal que a chuva chega no sertão/ toda menina que enjoa da boneca/ é sinal que o amor já chegou no coração. Consultando a net, verifico que cinco milhões e quatrocentos mil internautas visualizaram essa linda composição. Enquanto isso, Natan e Nivaldo Marques, obtiveram 836 mil visualizações por cantarem: Ah Você não deu valor, nunca se importa/ a partir de hoje nosso amor acabou/Já foi, deu pra mim, eu vou meter, eu vou meter o louco/ Tem cabaré essa noite/Tem cabaré essa noite.
Por estar caracterizada a preferência pela musica autêntica do nordeste, estranho que o público de Campina Grande não tenha reagido quando de certa feita, restringiram o tempo de Flavio José no palco para ampliar o show de um cantor de musica sertaneja, inteiramente deslocado naquele tipo de evento. O próprio Flavio José não deveria ter aceito a indevida reprimenda, vez que tinha contrato assinado para tempo maior no palco. Bastaria que, no seu desabafo, informasse que não atenderia à recomendação. O público o apoiaria. Tem razão Elba Ramalho quando lembra que, nunca, em tempo algum, foi convidada para cantar na Festa do Peão de Boiadeiro em Barretos-SP. Nem ela nem qualquer intérprete da música que enche os corações e os ouvidos do povo nordestino.
Desvirtuaram por completo as nossas festas juninas. Nas antigas, a festança no máximo chegava às nossas calçadas. Depois que ganhou a rua, surgiram empresas que comercializam a festa e levam o dinheiro do povo. O povo? Sim, o povo tem direito a comparecer, para ouvir, de graça e de longe, a apresentação de artistas que costuma ver na televisão. Se quiser se aproximar, tem que pagar. O pé- do- palco agora se chama front stage, tem custo alto, mas em compensação, o pagante vê o seu ídolo de perto…
Gostaria de acrescentar os cachês que são pagos aos astros contratados, mas isso é um segredo que só o imposto de renda pode desvendar. Sou saudosista? Talvez. Mas que era muito mais gostoso o meu São João, não tenho a menor dúvida.