Em 2005, numa noite, eu estava chegando em casa, na cidade de João Pessoa-PB, onde cumpria a função de Assessor Técnico do Governador. O telefone tocou, e era o governador do Estado, Cássio Cunha Lima, que, dentro de uma reunião que participava, naquele instante, sugeriu meu nome para assumir a gestão do processo Camará, barragem que havia rompido no dia 17 de junho de 2004, atingindo a cidade de Alagoa Grande e a zona rural dos municípios de Areia, Mulungu e Alagoinha.
Naquele instante de conversa, veio-me à memória o dia da tragédia na Paraíba. Eu me encontrava em Brasília, onde cursava um MBA em Marketing Político. Naquele fatídico dia, havia assistido a uma aula magnífica do professor Lavareda. Quando cheguei da Universidade, todos os jornais da noite retratavam o acontecido na Paraíba. Lembro que dormi tarde e liguei para saber do ocorrido.
Naquela ligação, recebi do governador algumas instruções sobre o dia seguinte, onde teríamos um encontro com os atingidos pelas águas, que viriam à capital em comboio, cobrando as ações e sobre os processos idenizatórios. Conversamos sobre a situação real e fui deitar analisando como iria conduzir o processo.
Reunião acirrada no outro dia, com a Comissão que representava os atingidos, autoridades locais, o governador e o seu time.
Quando me dirigia ao local, notei que as pessoas estavam aglomeradas na frente do Palácio da Redenção. Posicionei-me anonimamente entre eles, ouvindo o que conversavam, sem segredos, sobre a situação em que se encontravam e o que pretendiam discutir com o governador. Começou então a reunião e, em determinado momento, o governador me apresentou como o gestor do processo. A partir daquele instante, lembro que o pároco de Alagoa Grande, padre Assis, estava lá e virou-se para mim dizendo que eu estava infiltrado lá embaixo. Eu falei que não, que eu estava simplesmente os escutando e que, a partir daquele momento, iria ouvir todos os atingidos.
Pós reunião, o governador me posicionou e decidimos os rumos e as ações a serem desempenhadas. Mais uma vez eu digo e posso afirmar que foi o grande passo, uma das maiores ações tomadas naquele instante.
Ouvir os atingidos, relatos que guardo até hoje num caderno de dor, desespero, angústia, medo, insegurança, descrença, aproveitadores, malversação.
Havia uma equipe comigo, de três companheiros, e numa noite chegamos a parar, andar nas ruas, chorar e sentir um cheiro mencionado por todos na sua dor: cheiro da “lama suja de Camará”.
Hoje, a solidariedade que transforma o Brasil no Rio Grande do Sul, emociona, orgulha, engrandece. Mas, gostaria de deixar o meu humilde sentimento: vamos abrir canais de escuta, de abraços, de olhar nos olhos desses irmãos.
Vamos fazer alguém saber que estamos juntos nesse processo de recomeço, retomada, ressignificação – de humanidade na essência.
Brasileiro já é forte por ser Brasil, entretanto, o ser humano precisa de muito para ser mais forte e, muitas das vezes, precisa de simplesmente um olhar, um caminhar e sonhar junto, para poder crer que foi Deus e é Deus em tudo.
Quando vejo hoje a situação dos gaúchos, lembro as “vidas Camará”. Tenho na crença do meu Deus que cada um de nós pode ajudar muito mais.
“Ei, posso lhe ajudar?”. Olha no meu olhar, eis a maior força da solidariedade. Tamos juntos.
De um dia de domingo 19/05/24
Carlos Marques Dunga Jr