Se tudo fosse contado como crônica, as coisas se contradiriam ou se encontrariam como consequentes no fim. Contudo se conclua que a crônica em si não possui algum compromisso com a verdade, relata despretensiosamente algumas coisas reais, que já foram previstas em anteriores textos como fictícias ou poéticas. Alguns escritores e literatos confessam que a crônica devém agradável, quando descreve inteligente mentira. Aliás, nesse caso, o cronista não mente porque está sendo sincero…
Em pequena cidade do brejo, nasceu um predestinado à carreira política, que o levou a muitas legislaturas e por causa dessas influências, a um elevado cargo de um dos mais poderosos bancos do país. Seu principal propósito sempre foi o de criar uma agência no seu município de origem. Não havia razões financeiras para isso, mas bastante vaidade ou orgulho em cumprir o que prometera nas andanças pela sua terra natal. Criou o banco, construiu-lhe uma bela agência e nomeou seu preferido primo ao cargo de gerente.
Apesar de protegido pelo parentesco, o gerente primava pela assiduidade e dedicação à função que exercia. Nas suas conversas, contava que tinha passado parte da sua vida na capital, estudando economia, mas, seus conhecimentos eram pouco empregados naquele lugarejo ou quase aldeia. Aceitara o cargo por amor à terra. Em termos de prédios, viam-se a Igreja, a Prefeitura, o mercado, o dito banco e a cadeia. E de bonitas casas; a do vigário, a do gerente, a do juiz e a do prefeito.
Ao gerente não aconteciam preocupações, apenas o suficiente dinheiro para gerir e autorizar poucos empréstimos. Mesmo parecendo mais verdade do que ficção, certo dia, ele, em pleno expediente, sem algum problema, sofreu um “mal súbito”. E do jeito que estava ficou. Paletó, gravata borboleta, relógio de algibeira e seus cabelos brancos bem penteados, com as mãos segurando os braços da cadeira. Diante dele, chega-lhe um dos fazendeiros da região, esperando os cumprimentos habituais do gerente, que continuou morto. A demora do atendimento fez com que todos que estavam no banco presenciassem aquele último despacho; discretíssimo, faleceu sem falar, sem pronunciar alguma palavra, para prorrogar a promissória do frustrado fazendeiro. O gerente, indiferentemente, continuou com os olhos esbugalhados como se olhasse todos espantados.
Alternando entre a vida e a morte, e já parecendo mais ficção do que realidade, um homem morto, numa cadeira de rodas, vai sacar empréstimo de R$ 17 mil, em uma agência bancária de Bangu, na Zona Oeste do Rio. Os guardas do banco nada fizeram. Mas os funcionários do caixa suspeitaram da atitude inusitada. Então, o Samu esclareceu que tal benefício não seria possível, dando a razão de que ele estava morto e, assim diz a Lei: os mortos não têm direito a empréstimo.
Coisas do dinheiro, desde os tempos de menino que escuto dos sem entusiasmo: “O dinheiro é a mola do mundo”, pelo visto, até com os mortos ele mexe. Gostaria de discordar, mas fazer o quê? Contudo, persisto em traduzir auri sacra fames, compreendendo essa predominância do ter sobre o ser. E também entendendo que o dinheiro não age como mola junto aos mortos, porque, sem vida, morto não sente fome de ouro.