Momento interessante da infância é quando a criança descobre um bicho, diferente dos outros já vistos, é como se aumentasse o conhecimento das coisas vivas, sobretudo se esse vivo tem corpo, boca e olhos, como os humanos, e se move do seu jeito… Assim aconteceu nas águas salobras do rio Una, que passava nas terras do meu avô Ramos. Íamos os primos tomar banho de rio. O rio Una era menor do que o Paraíba, que vinha passar em Itabaiana e em Pilar, às vezes, largo e volumoso, mas nunca tão corrente como o rio da Una de São José, bem menor. O observado é que o rio pequeno corre mais rápido do que o grande. E nesse estreito rio, nós mesmos fazíamos a ponte; qualquer tronco ou coqueiro deitado de margem a margem, estava feita a passagem, da qual se poderia dar de mergulho à bunda-canastra. Ora, crescer numa infância feliz é como se fosse nascer “com a bunda para a Lua”, empelicado, munido, como um perfeito foguete, disparado aos céus.
Mas, por aqui mesmo, o bom era banhando-se nas doces águas do rio Una, sombreado por árvores frondosas que nos ofereciam gostosas mangas rosas ou espadas, havia a pedra onde belas lavadeiras lavavam e batiam roupa. Dia espantoso foi quando, o primo Pedro me arrastou para agarrar muçum. Para o latinista Milton Marques, esse peixe se chama symbranchus marmoratus, semelhante a uma cobra, daí também apelidado de “peixe cobra”, o que inicialmente nos causou medo. Chega ao tamanho de um metro, tido também como “enguia de água doce”. Pegá-lo era o problema: defendia-se com uma baba que exalava na pele, tornando-se escorregadio como nenhum peixe. O primo Aluizio ensinava uma técnica especial: aproximar-se do seu esconderijo, numa toca ou por baixo da lama, com as mãos encrespadas de areia, e assim agarrá-lo, e de repente, jogá-lo para fora da água. De fôlego longo, passava horas vivo, e assim íamos mostrar a pesca ao nosso avô que, pausadamente, disse-nos uma sábia analogia: “Muçum, escorregadio como a felicidade”.
Li muito, na vida, e concluí reservar importância à felicidade, dando-lhe o privilégio de ser o principal “analogante”, da qual parte o conceito de sempre escapar das nossas mãos: A felicidade, escorregadia como um muçum. A pesca era levada à Tia Dinalva, que lavava suas peles escorregadias com água quente e as raspava, preparando-nos um delicioso almoço: Muçum ao molho de coco. Saboroso, peixe sem espinha, sem perigo, comida livre à meninada, como prêmio da divertida pescaria.
Desejar aquilo que nos falta nos move à busca da felicidade, que, ao se esconder na sua toca, cansa-nos de buscá-la, em certos casos, chegamos a vivenciar o tédio, sobretudo quando, sem idealismo e propósitos, a ausência da felicidade nos constrange a um estado crítico ou de negativismo. E também não existe tédio maior do que não aceitar as interrupções da felicidade. Contudo, depressão insuportável seria sujeitar-se a uma infelicidade contínua ou permanente. Aliás, confundir tédio com depressão é tão angustiante como não experimentar a felicidade que nunca chega. Nunca não acontece! A falta faz parte substancialmente do desejo, é ela que motiva a vontade de ser feliz, repito o que, originalmente, consta no meu livro de pensamentos: Se nada me faltasse, faltar-me-ia a falta…