Deve-se ser seletivo ao que se lê ou ao que se escuta. Então, nessa segunda passada, fiquei atento, palavra por palavra, na TV Cultura, à entrevista com o cientista, filósofo e professor na cátedra de Filosofia Natural, no Dartmouth College, de Hannover, nos USA, Marcelo Gleiser que se consagrou como o primeiro brasileiro a vencer o Prêmio Templeton, também já atribuído, em 1973, à Madre Teresa de Calcutá e, em 2012, ao Dalai Lama.
Carioca, Marcelo aprendeu a buscar a compreensão da Natureza, a iniciar como menino sentado na areia da Praia de Copacabana. E assim cresceu, dedicando-se às questões fundamentais sobre a origem do universo e da vida. Como cientista sem interesses financeiros, confessa que prefere esses estudos a “criar um microchip melhor para fazer um iPhone funcionar mais rápido”. Nessa sua tendência, revelou profunda espiritualidade à interpretação dos mistérios do universo. Orienta-se pelo princípio de que quanto mais entendermos a Natureza, mais compreenderemos a criação divina, independentes de sermos religiosos ortodoxos, cristãos, muçulmanos, judeus, budistas ou quase ateus, como fora o cineasta espanhol Luis Buñuel, sempre em busca de Deus em seus filmes, dos quais cito A Via Láctea.
Marcelo Gleiser, agora aos seus 64 anos, demonstrou, na citada entrevista, uma visão de mundo extraordinária, direcionada à democratização e à socialização do conhecimento. E na prática dessas teorias, com os recursos recebidos do referido Prêmio, adquiriu oitos casas, que constituem uma Villa do século XV, construída com pedras, com uma igreja, por onde teria passado Francisco de Assis, a caminho do Vaticano. Fará uma comunidade nessa atraente região central da Itália, onde morará com sua família e a esposa, psicoterapeuta Kari.
Esse cientista e humanista de fôlego prometeu a si mesmo “deixar o ego de lado” para refletir, junto a empresários e profissionais afins, sobre a humanidade e o futuro do nosso planeta, num projeto que se chamará de Ilha do Conhecimento ou Island of Knowledge, título de um dos seus livros. Um dos entrevistadores abordou a ideia dos terrestres, nessas viagens espaciais, de conquistarem outros espaços de habitação, ao que, com veemência, refutou: “Basta de colonialismo, que não foi bom aqui, nem será noutros planetas”. Ainda esclareceu que as condições de vida noutros planetas não nos são favoráveis, além da dificuldade das distâncias, medidas a anos-luz. Não desfez a hipótese de vida extraterrestre, mas como vir de tão distante até nós ou enviarem pelo menos sinais, que até hoje não obtivemos? Melhor, aconselhou, será urgentemente cuidar da nossa Terra.
O seu projeto na Toscana, de treinamento, de debate e reflexões, está para iniciar, a partir de outubro de 2024, quando suas casas toscanas poderão receber interessados a refletir sobre nossas origens e o nosso futuro, e ainda aproveitarem a beleza turística daquela região, bebendo bom Brunello e comendo gostoso prosciutto. Enfim, detalhe-se que o conhecimento de Gleiser respeita a diversidade de interpretação da criação do mundo, propondo a teoria de que tudo evoluiu, a partir dos impactos e das adversidades na physis do universo como um todo, contudo podendo crer em motivações sobrenaturais dessas evoluções, a partir das mais antigas crenças. Tudo isso me faz lembrar nossas limitações cósmicas, na Canção dos Dinkas, originários primitivos, do Nilo Superior: “Um dia Deus criou todas as coisas. Criou o Sol. O Sol levanta-se, deita-se e depois volta. Criou a Lua. A Lua levanta-se, deita-se e depois volta. Criou as estrelas. As estrelas levantam-se, deitam-se e depois voltam. Criou o Homem. O Homem aparece sobre a terra, desaparece e não volta”…
Damião Ramos Cavalcanti