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O CARNAVAL QUE NÃO HOUVE (RAMALHO LEITE)

 

Naquele ano bissexto de 1962 o carnaval decorria sem quaisquer incidentes. Tanto o Bananeiras Clube como o Grêmio Morenense realizavam os seus bailes tradicionais.O carnaval de rua, sem excessos, era dominado por blocos de crianças e adolescentes. Em Solânea, uma camioneta acompanhava um bloco infantil. Seus ocupantes se descuidaram e o veículo avançou sobre os pequenos foliões, matando três e ferindo dezenas. O carnaval foi encerrado antes do tempo nas duas cidades enlutadas por tão nefasto acontecimento.
Essa tragédia decidiu a minha vida. A quarta feira de cinzas foi antecipada e na terça-feira de um carnaval que não houve, aluguei um jeep e saí de Borborema onde meu pai era prefeito e fui roubar a namorada. Poucos dias depois estávamos casados, graças a uma licença especial concedida pelo Arcebispo Metropolitano, acionado pelo contra-parente, o então padre Manoel Batista de Medeiros, cunhado de Tia Tonha, irmã de minha avó Natália de Menezes Leite.
Encontrei com Marta na rua. O silêncio engolia a noite de Bananeiras. Ela pegou em casa um casaco para se proteger do frio e, até hoje, estamos juntos. Completamos no ultimo dia 09 sessenta e dois anos dessa aventura juvenil que tinha tudo para não dar certo, e felizmente, foi premiada com uma prole que está bem criada e já dos deu mais de dez netos e a dor de perder dois filhos.
Digo que tinha tudo para não dar certo por que esqueci de contar que eu era um estudante desempregado com apenas 18 anos e nem o dinheiro para pagar o veículo alugado eu tinha. Confiava no meu pai, a quem enderecei uma carta contando minha decisão e tranquilizando-o de que não largaria os estudos. Levei a companheira de aventura para o Engenho da Pasta,em Pilões, onde sabia que meu tio Zé Noirton estava hospedado. No transporte que me levou, ele voltou, conduzindo a carta que enviei a seu Arlindo Ramalho e o um recado do Senhor do Engenho para os pais da noiva:
– Daqui ela só sai casada!
Sob a severa desconfiança de Tio Né da Pasta, fui encarcerado em um corredor da Casa Grande do engenho. Para o interior da casa onde Marta estava, foi vedado o meu acesso. Qualquer necessidade noturna, só me restava a bagaceira do engenho.
Casamos na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Livramento sob as bênçãos do saudoso Padre Manoel Lima e a presença de inúmeros curiosos, pois, convidados mesmo, só as testemunhas e Tio Né que fez questão de levar o produto do furto até o altar. Cinquenta anos depois, pude ver a alegria na face de Marta, cercada de filhos e netos, cortando, com atraso, o bolo a que não teve direito na cerimônia de casamento. ( Em homenagem aos nossos 62 anos de casamento)