Neste sábado, foi relatado mais um sequestro de integrante da oposição, que foi
No último encontro entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Venezuela, Nicolás Maduro, no âmbito da cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), há pouco mais de uma semana, a agenda se concentrou na retomada da cooperação entre os dois países. De fora da conversa, confirmou uma fonte do governo brasileiro, ficaram temas como o recrudescimento da repressão interna (neste sábado a líder opositora Maria Corina Machado denunciou o quarto sequestro de um colaborador em dois meses), presos políticos, candidatos inabilitados e denúncias de violações dos direitos humanos no país vizinho. Diante de uma consulta superficial do brasileiro sobre as eleições presidenciais, Maduro se limitou a dizer que elas seriam realizadas no segundo semestre — a data, dias depois, foi finalmente anunciada para 28 de julho.
O tom e teor da conversa refletem a decisão de Lula de não dar qualquer passo que possa ameaçar a relação com o Palácio de Miraflores, apesar do elevado custo político interno que a decisão traz. Lula está com Maduro e não abre, e essa opção, que até mesmo acadêmicos alinhados com a política externa do governo consideram “tóxica”, tem como pano de fundo uma análise geopolítica global e regional, que envolve atores como EUA, China, Rússia e Argentina, entre outros.
Amizade ‘tóxica’
Dawisson Belém Lopes, professor de Política Internacional e Comparada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que costuma defender a política externa do atual governo nas redes sociais, afirma que a postura de Lula sobre Maduro é “difícil e contraditória”.
— O Brasil assumiu compromissos em matéria de direitos humanos e proteção dos direitos políticos. Por outro lado, há imperativos do ponto de vista geopolítico, interesses de longo prazo. A capacidade de chegar a Maduro é algo que Lula quer cultivar, mas essa proximidade é tóxica e já contaminou Lula.
Para Raul Nunes, professor da Universidade Federal Fluminense, a aposta poderia ser justificada pelo fracasso de todas as tentativas de isolar a Venezuela. Mas, ao mesmo tempo, não está rendendo frutos:
— Fica complicado quando Lula tenta relativizar a democracia fora do Brasil: ele mancha o discurso interno contra o bolsonarismo. Do jeito que tem defendido Maduro, o presidente aparece como fiador do venezuelano e abre espaços para o questionamento de seus próprios compromissos democráticos.
Tanto Lopes quanto Nunes entendem e até mesmo concordam com a decisão de apoiar países afetados por sanções, como Venezuela e Cuba, e a priorização de aliados considerados importantes para o Brasil na agenda da política externa. O problema é quando esse aliado passa dos limites em matéria de repressão.
Para Creomar De Souza, CEO da Dharma Politics, “Lula prefere Maduro sendo um ditador próximo do Brasil do que um governo democrático alinhado com outros”.
— O discurso de Lula está afastando pedaços de seu eleitorado.
A preocupação, também presente em alguns setores do governo, não faz Lula mudar a direção. Em conversas informais, fontes do governo afirmam que, nas atuais circunstâncias na América Latina, e com a perspectiva de uma possível volta de Donald Trump ao poder nos EUA, o que o Brasil espera é uma eleição que possa ser reconhecida como democrática pela comunidade internacional. As fontes admitem que, para Lula, a continuidade de Maduro no poder seria o melhor cenário.
Depois de ter perdido a Argentina para a ultradireita, e com o republicano Trump novamente no radar, uma eventual guinada radical na Venezuela, país com o qual o Brasil compartilha uma ampla fronteira e pretende, nos próximos tempos, recuperar o vigor do intercâmbio comercial e a cooperação em várias áreas, é um cenário que não agrada ao governo. Existe, ainda, o desejo de recuperar um espaço perdido nos últimos anos e que foi ocupado por importantes sócios do governo chavista, como China, Rússia, Irã e Turquia. Lula quer evitar, frisam as fontes, que a crise de Caracas acabe sendo resolvida por atores de fora da região.
Queda nas pesquisas
O problema é que o cálculo político do presidente esbarra em questões sensíveis: a erosão da democracia venezuelana e, como parte desse processo, a violação dos direitos humanos e políticos de opositores — que vão de prisões arbitrárias a execuções extrajudiciais e torturas. As denúncias foram confirmadas em relatórios elaborados por uma missão de reconhecimento das Nações Unidas e estão sendo investigadas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia. Existe, ainda, um terceiro elemento, que gera enorme instabilidade regional: o êxodo de mais de 7 milhões de venezuelanos nos últimos anos, além da atuação em vários países da região de grupos criminosos locais, sendo o mais importante o Trem de Aragua.
Quando consultadas sobre alguns dos temas, fontes do governo asseguram que alertas são feitos a interlocutores de Maduro, por canais informais. Mas, para a sociedade brasileira e para o mundo, o que se vê e se ouve é um presidente disposto a tolerar os abusos cometidos pelo chavismo.
Na coletiva ao lado do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, na semana passada, o presidente brasileiro disse — sem dar nome aos bois — que candidatos inabilitados na Venezuela deveriam “deixar de chorar”, assim como ele mesmo fez em 2018 quando, estando preso, escolheu Fernando Haddad para disputar a Presidência. Uma alfinetada em Machado, que Lula se recusa a mencionar. Na mesma coletiva, o presidente disse esperar que as eleições sejam as “mais democráticas possíveis”, frase que, segundo fontes do governo, foi um recado para Maduro.
Ontem, Machado denunciou um novo sequestro de um membro de sua equipe de colaboradores, neste caso, o chefe de seu comando de campanha no estado Barinas, Emill Brandt. Nos últimos dois meses, quatro integrantes de sua campanha foram presos e levados, segundo Machado, para o Helicoide, uma das principais prisões do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), em Caracas, onde também está a acadêmica Rocio San Miguel, especialista em temas militares, detida há um mês.
Os casos de repressão política crescem, mas o governo Lula considera que existe uma janeira de oportunidade e está decidido a se expor ao risco de fracassar. Pesquisas mostram, porém, que o posicionamento de Lula está contribuindo para o desgaste de sua imagem internamente. Em uma sondagem feita pela Quaest, em dezembro, a retomada de relações com a Venezuela é considerada o terceiro maior erro cometido por Lula em seu terceiro mandato. Uma pesquisa da Atlas, também do final do ano passado, mostra que, para 59% dos entrevistados, o Brasil está mais próximo do que deveria do vizinho.
Interesses ideológicos
Mas Lula segue firme e vem conversando com outros governos para criar um “clima amigável” em relação à eleição, disseram as fontes consultadas. O assunto foi discutido com Sánchez e será debatido com o presidente francês, Emmanuel Macron, em sua visita ao Brasil, no fim do mês.
Analistas venezuelanos como Mariano de Alba, do Crisis Group, lamentam que a esperança que a chegada de Lula ao poder despertou em seu país tenha sido frustrada.
— Lula simpatiza com a narrativa do chavismo, condena as sanções, mas eu, pessoalmente, nunca pensei que questionaria publicamente Maduro. Espero apenas que mande recados indiretos que tenham influência.
Para diplomatas como o embaixador Rubens Barbosa, está claro que na equação prevalecem interesses ideológicos, que dominam a política externa. O Itamaraty, diz, continua mantendo uma “atitude profissional”.
— Não tem o menor sentido defender a democracia no Brasil e não defender fora. Só vale aqui a democracia? — questiona Barbosa, que destaca, porém, os enormes ganhos que o Brasil teria se a Venezuela normalizasse sua situação. — Temos interesses econômicos, comerciais, em matéria de energia, fronteiras, refugiados, enfim, muitos.
Agência O Globo