Em recurso, promotores de Justiça pedem que Poder Judiciário suspenda decisão que concedeu autorização de habitação a prédio que infringe “Lei do Gabarito”
O Ministério Público da Paraíba (MPPB) recorreu da liminar em mandado de segurança para impedir autorização de habitação de empreendimento que infringe a “Lei do Gabarito”, em João Pessoa. “Na verdade, caberá ao agravado providenciar a adequação do imóvel à legislação (o que se afigura possível), não havendo que se falar, juridicamente, em direito líquido e certo à convalidação de ato administrativo (e de ações de particulares) praticados em escancarado desacordo com a legislação ambiental e urbanística. Permitir a expedição de alvará de habite-se, através de liminar em mandado de segurança, implica rasgar a Constituição do Estado da Paraíba, além de atentar contra todos os princípios de proteção, preservação e reparação ao meio ambiente, patrimônio de toda coletividade”, diz trecho de Agravo de Instrumento 0806096-67.2024.8.15.0000.
O recurso foi protocolado na terça-feira (06/03), pela 43º promotora de Justiça de João Pessoa, Cláudia Cabral Cavalcante, e pelo 41º promotor de Justiça de João Pessoa, Francisco Seráphico Ferraz da Nóbrega Filho, ambos em substituição. O agravo de instrumento será julgado pela 4ª Câmara Cível e terá como relator o desembargador Oswaldo Trigueiro do Valle Filho. O recurso ministerial tem como processo de referência o Mandado de Segurança 0805866-36.2024.8.15.2001, impetrado pela Construtora Cobran, responsável pelo empreendimento Way, construído na faixa da orla de João Pessoa protegida pela Constituição Estadual e pelo Plano Diretor de João Pessoa. A “Lei do Gabarito” protege toda a faixa de orla até a distância de 500 metros. De acordo com a legislação, a altura máxima para construções de edificações nessa zona de restrição, é de 12,90m (na faixa inicial) até no máximo 35m (faixa final), dependendo da localização.
Durante toda a peça jurídica, que tem mais de 30 páginas, os representantes do MPPB trazem doutrinas e jurisprudências que embasam o pedido do Ministério Público para que, por meio de decisão monocrática do desembargador relator, conceda-se o efeito suspensivo ao agravo de instrumento, com a imediata suspensão da decisão recorrida até o julgamento do recurso. Os promotores de Justiça também pedem que, no mérito, que seja dado provimento ao agravo para cassar a decisão judicial recorrida, com o cancelamento da licença de habitação (habite-se) do empreendimento Way.
Município pode anular ato ilegal
O recurso ministerial traz uma série de argumentos jurídicos em defesa do meio ambiente e do interesse público, bem como relata fatos que corroboram a necessidade de adequação do prédio à legislação, como também refuta alegações da construtora usadas para conseguir liminar que autoriza o “Habite-se”. Na parte inicial da peça, o Ministério Público retoma as razões apresentadas pelo Município para não ter concedido o “Habite-se” ao prédio. Segundo o MP, a administração municipal afirma ser “inverídica” a alegação da construtora de que teria atestado a correta execução da obra. Outro ponto citado foi o “poder de autotutela administrativo, o qual determina que sejam anulados os atos ilegais, diante da constatação de erro quanto à expedição de alvará de construção, em 2019, quando o então diretor de Controle Urbano tomou (indevidamente) por fundamento para a prática do ato o fato de que existia um prédio do mesmo gabarito mais próximo da orla”.
Mau uso do instrumento jurídico
O recurso também cita a inadequação do mandado de segurança como via para a construtora pleitear o “Habite-se” visto que o instrumento jurídico se aplica “a proteger o direito líquido e certo que tenha sido violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, o que não ocorre no caso (…) Não há que se falar, juridicamente, em direito líquido e certo do impetrante, haja vista que o empreendimento Way está em desacordo ao estabelecido pela legislação, notadamente a Constituição do Estado da Paraíba (art. 229, §1º), Lei Orgânica de João Pessoa (art. 175), antigo Plano Diretor de João Pessoa/1992 (art. 25) e Novo Plano Diretor de João Pessoa (art. 64), quanto à altura máxima permitida para as edificações localizadas em faixa de orla no Município de João Pessoa”.
Supremacia do interesse público
Os promotores de Justiça também sustentam que em matéria ambiental deve prevalecer a supremacia do interesse público frente ao interesse privado: “Ainda que tivesse havido qualquer inércia do Poder Público, não deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, benéfico apenas ao autor do dano ambiental, em detrimento aos princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda coletividade. Assim, a supremacia do interesse público em relação à conservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio se sobrepõe a qualquer interesse e, por conseguinte, se violado, não gera presunção de direito, e muito menos direito adquirido, capaz de servir como prova pré-constituída em sede de ação mandamental”.
Alvará de construção não dá direito a “Habite-se”
Ainda de acordo com o recurso ministerial, a autorização de construção baseada no projeto inicial apresentado não gera presunção absoluta de direito ao “Habite-se”, ainda mais quando essa construção se encontra em zona de restrição (faixa de orla), como é o caso. O MP mostra também que o “Habite-se” está condicionado à legalidade do projeto executivo. Ou seja, mesmo que o empreendimento tenha obtido, em afronta à legislação, o alvará de construção em 2019, a autorização para sua habitação ocorre em outro processo. “Assim, o ato pretérito de concessão do alvará de construção não encontra guarida legal, estando eivado de vícios, não gerando, por si só, presunção de direito, uma vez que o empreendimento não atende aos requisitos legais, por ferir o artigo 229, parágrafo 1º da Constituição do Estado da Paraíba”.