No interior da Paraíba, mais precisamente na Região do Alto Sertão, todos os anos ocorre uma celebração bem peculiar e ainda pouco conhecida pelos próprios paraibanos. A Festa de São Lázaro ou a Festa dos Cachorros, como é mais conhecida, é um evento que mescla devoção, fé, caridade e descontração, com a participação de dezenas de cães, que são os grandes protagonistas e convidados a deliciar um banquete, servido com toda honraria. Ela acontece na zona rural de Cachoeira dos Índios desde o século XX. Na Paraíba, ela também acontece em Cajazeiras, São João do Rio do Peixe, Triunfo, e em outros estados, como o Tocantins.
A jornalista e professora Mariana Moreira Neto, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campus de Cajazeiras, Mariana Moreira Neto, conhece bem a história e já vivenciou algumas edições.
A celebração começou a partir de uma passagem de romeiros vindos do Rio Grande do Norte seguindo com destino ao Juazeiro do Norte, no Ceará, com o propósito de pagarem promessas feitas ao Padre Cícero Romão. Essa tradição da Festa dos Cachorros já dura quase 100 anos. “Eles seguiam a pé ou em montarias, e era muito comum pedirem ‘arranchos’ (hospedagens) nas casas que encontravam ou mesmo embaixo de árvores. E, em uma dessas viagens, um desses grupos de romeiros pediu pernoite em uma casa na Comunidade Monteiros, onde hoje é o município de Cachoeira dos Índios, na residência de uma senhora conhecida por Mãe Joana, chamada assim por ser uma parteira. Entre os romeiros tinha uma mulher com um problema de saúde muito sério, com o corpo coberto de feridas”, relata a professora, que também é colunista do Caderno de Cultura do jornal A União.
No dia seguinte à noite de dormida, eles pediram à Mãe Joana para que essa mulher ficasse por lá, e que quando retornassem do Juazeiro a pegariam de volta. No entanto, eles não cumpriram o acordo e a mulher continuou na casa. “A mãe Joana então fez uma promessa que se aquela senhora ficasse curada, por todos os anos seguinte ela iria pedir aos moradores da comunidade gêneros alimentícios para fazer um banquete dedicado a São Lázaro. O comprometimento dela era que os primeiros pratos a serem servidos seriam para os cães e, claro, para aquelas pessoas que fizessem promessa. Essa senhora ficou curada e Mãe Joana passou a cumprir o prometido”, conta.
A partir disso, virou tradição ela sair na comunidade pedindo alimentos para todo mês de setembro realizar a celebração.
Durante a festa, inicialmente é feita uma novena, depois é servido a comida aos cães, com os alimentos sendo colocados em pratos sobre uma toalha de mesa forrando o chão. Em seguida os pagadores de promessa se servem, se alimentando com os seus animais.
A celebração também conta até com uma banda de pífano que faz a reverência, entrando na sala antes da realização da novena, saudando com músicas. “Essa senhora que foi curada morreu bem velhinha lá na comunidade e a tradição ficou. Mãe Joana continuou fazendo a Festa de São Lázaro todos os anos, ou como ficou conhecida, a Festa dos Cachorros”, completa Mariana.
A tradição continuou ficando sob a responsabilidade dos seus filhos, com a festa passando a ser realizada em várias datas do mês de setembro. Depois a celebração passou a ser de incumbência dos netos de Mãe Joana, alguns deles morando ainda na comunidade e outros em sítios próximos. Esse culto e tradição religiosa acontece, em sua maioria, sem a intervenção ou presença dos padres ou diáconos da região.
História de Lázaro e tradição
Nos Evangelhos há história de dois Lázaros. Um deles é o Lázaro de Betânia, que foi ressuscitado por Jesus. O outro é o Lázaro leproso, a partir do qual surgiu essa tradição na Paraíba e em outros estados. “Na história da parábola, contada por Cristo, um lazarento chega à casa de um senhor abastado, pede auxílio, mas ele nega. Nesse momento, o Lázaro implora para que ele dê pelo menos as migalhas que caem da sua mesa e do que seus cães comem, e então os cães vão até a ele e lambem as feridas daquele pobre que fica curado. E vem desse ato a história e a tradição que se criou com a Festa de São Lázaro na Comunidade de Cipó dos Monteiros, em Cachoeira dos Índios”, explica Mariana.
Hoje, essa celebração não é mais restrita à Comunidade de Cipó dos Monteiros, passando a ocorrer em cidades vizinhas. “Algumas pessoas fazem promessas, alcançam a graça e cumprem por um ano, dois anos, todavia, nessa na comunidade a tradição vem sendo realizada há 100 anos”, ressalta a professora e jornalista.
Fonte: Espaço PB com Giovannia Brito (jornal A União) – Ilustração: Tônio (Antônio Sá) – Contato: [email protected]