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Nomófobos a todo custo (Damião Ramos Cavalcanti)

 

           Ao escutar os noticiários das enchentes e doutras intempéries no Sul do país, também vi gente em cima dos telhados, à espera de algum salvamento. Casas inundadas com água na cintura ou cobrindo a geladeira, em cuja situação, desliga-se a energia elétrica, que também desaparece nas ruas que pareciam rios, ou nas praças, lagos. Árvores derrubadas pelo vento ou por raios, e com o peso da chuva, rompendo as fiações. Os transtornos eram diversos, destacando-se a necessidade de água para beber; da própria casa para se abrigar e da energia para tantas coisas. Calamidade! Desastre! Mas, o que mais me surpreendeu foi a quantidade de gente, de várias idades, nos shoppings, sentada nas mesinhas das áreas de alimentação; não para lanches ou refeições, mas, com as mãos cheias de celulares para usufruírem da energia própria, que esses centros comerciais dispõem, na ausência da energia na cidade.
          Em alguns bares ou restaurantes, cobrava-se um consumo mínimo de comida, antes de se usar uma das tomadas disponíveis. Havia filas, uns com as mãos cheias de celulares de toda a família e alguns de plantão, ocupando lugar na fila, para prestar serviço remunerado a quem se interessava em carregar suas baterias. A esse tanto de gente não acontecia premência de outras necessidades, mas tão somente de suprir o carregamento dos celulares ou de já usar a internet. As privações, ressalte-se a pandemia, ensinam-nos coisas novas, mas também fazem ressurgir necessidades e valores que andavam no fundo do baú. Com os postes e seus fios mergulhados nas águas das enchentes, decreta-se o desligamento da energia elétrica e, lamenta-se: em casa ou alhures, não dispor da internet ou de manter os celulares em funcionamento. Daí, surge uma nova finalidade dos shoppings, nas grandes cidades sem energia: salvação dos que sem celular tornam-se incapazes a tudo, sobretudo porque entram num estado psicológico de desespero, o que chamamos de nomófobos, e ainda, a todo custo, sofredores da fome insaciável de celular, passíveis até de dor de cabeça. 
          Fizeram as contas de que, no nosso país, há mais de 16,4 milhões de possuidores de celular ou o que significa, estatisticamente, quanta falta de relacionamento humano!  Embora sejam de redes sociais, com o celular destrói-se a sociabilidade, grudam-se à tela do aparelho, fechando os ouvidos aos outros e transformando o mundo em dois mundos: ele e o celular. Mais do que isso, o aparelho é como se fosse parte do seu corpo, anatomicamente, extensão dos seus dedos. Perdê-lo é como se ocorresse uma amputação, o bicho reage como se tivesse vida. Escrevo essa crônica, longe do meu, temendo que ele venha explodir por vendeta. Descansa, quando se carrega a bateria, mas se usado durante esse repouso, às vezes, fere-nos com uma explosão.
         A nomofobia se caracteriza na pessoa que usa demasiadamente, sem cessar, o celular, e tem nele uma companhia inseparável. O uso abusivo do celular nos  escraviza em relação ao tempo… Durante a refeição, entre uma garfada ou uma colherada, vai ao celular que sempre está ao lado do prato, seja em casa ou no restaurante, também em desrespeito aos demais à mesa. A nomofobia devém um vício, criando forte dependência; tal qual a da droga, que cria drogados e submete-os ao seu domínio, como se fôssemos meros mosquitos, presos às suas teias. Sem o celular, o viciado, como o drogado, sente estresse, ansiedade, tristeza, falta de sono ou dificuldade em dormir, sobretudo porque, dormindo, não usa celular. Os crentes nomófobos tentam recusar a idolatria do bezerro de ouro, mas adoram o celular, como essa coisa fosse uma divindade…
          Nomofobia não é só o uso do celular, ele se torna causa; seu efeito é o medo de ficar sem o celular ou impedido de usá-lo. O leitor deve já ter constatado essa dependência, a ocupar o maior espaço do nosso tempo, em si, em alguém, ou em quem não suporte um dia sem celular. Ele é útil, sim, mas que não se metamorfoseie num monstro que nos domine.   

Damião Ramos Cavalcanti