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Gurjão e a chuva ( Thomas Bruno Oliveira )

 

Gurjão e a chuva

 

Serra da Caatinga e cerca de faxina nos confins entre Gurjão e São João do Cariri-PB

NUVENS CINZENTAS tomaram conta da cidade desde o finzinho da manhã. No São João choveu bastante, banhou muito essas terras, mas não juntou tanta água. Chuva miúda e intensa, sensação de frio, mas a garoa, mesmo que por dias seguidos, não juntava tanta água assim como se desejava. “Seu Thomas, isso é água pra moiá as telha. Água de encher açude é aquelas pancadona com trovão, aqueles pingo grosso que só falta furar a cabeça da gente”, me dizia Seu Alfeu Farias de Queiroz, homem acostumado e dependente da vida na zona rural. Para ele, a cidade “tem muita bagunça”, isso dizendo com o dedo em riste mostrando o terreiro em seu ranchinho no sítio Santa Rita, zona rural da antiga Timbaúba do Gurjão.

 

Da janela, fito o horizonte, ou tento. Não são nem cinco da tarde e a escuridão é trazida pelo véu da chuva. E chove… começo da tarde, fomos aos confins divisórios do município. Era nossa intenção conversar com um certo senhor e fotografar o ponto culminante de Gurjão, a Serra da Caatinga. De todos os sítios da região, ainda é o lugar mais inóspito, menos habitado, difícil ver uma moradia sequer. Por que será que temos essa condição? Latifúndio ou alguma história oculta que ainda falta ser desvendada? Eu acredito na premissa de que nossa história está sempre em construção. Novos indícios, objetos e relatos revelados, vão moldando, ‘tecendo e destecendo’ (como pontua o querido confrade da ALCG José Mário) continuamente essa imensa colcha de retalhos. Cada descoberta, uma revelação. Por isso que os estudos históricos são apaixonantes.

 

Caminhos sem fim…

Bom, naquele dia, Ritinha Cantalice, o jovem Hyan e eu andamos por lugares ermos, passamos por pedregulhos incríveis e terras barrentas e nada de qualquer marca de carro, moto ou mesmo de casco de cavalo. O carro de passeio já era baixo demais para enfrentar os obstáculos. O céu escurecia e dava tons quase que fantasmagóricos àqueles rincões despovoados. Encontramos uma casa abandonada próxima a um açudeco antigo. Havia um balde e um cocho seco do outro lado do cercado. Pensei que ali tinha vida recente, engano meu. Durante as fotografias, um súbito arrepio na observação de uma cerca de faxina que isolava a casa antiga. Janela aberta e sem morador, só o vento fazia aquela madeira antiga se mover ao ranger de carcomidas dobradiças. Mas o que era aquilo pelo amor de nosso senhor? Em frente, lá em riba, está o alto da Serra da Caatinga, ponto culminante do município e zona limítrofe com São João do Cariri, a mãe de toda região dos Cariris Velhos, Mundo-Sertão místico e simbólico. Nos restou examinar o terreiro, fotografar o ambiente e retornar. Na estrada principal, era caminho para a pequenina Parari, não adiantava procurar nada por ali, e seguimos no retorno.

 

Foi assim. Falando da flora, aquela porção sul do município tem uma presença forte de favela e macambira verde, diferente dos outros lugares. No caminho do Riacho do Padre vemos muita macambira “encarnada”. Identidade florestal que é preciso sensibilidade para poder enxergar, que o diga o amigo Daniel Duarte, conhecedor da riqueza do semiárido. Será que a Serra da Caatinga dá determinado direcionamento aos ventos criando uma espécie de microclima? Talvez. Mata-burro, passamos por uns três de pedra e por conta das recentes chuvas, merecia bastante cuidado que os cantos estavam enterrados e o meio bem alto, enganchar o carro ali era perigoso. Quem iria nos acudir? Talvez só no outro dia. O céu nublado se fechava ainda mais e as nuvens pareciam descer, nos imprensando ao rés do chão. Tive medo, mas seguimos até avistarmos uma grande rocha alva, amarelada, camuflada entre oxidações ferruginosas e parte da vegetação, era a pedra da ponte, sinal de que estávamos próximos a estrada e há poucos quilômetros a zona urbana. Ufa, chegamos!

 

Com Ritinha Cantalice entrevistando o Sr Alfeu Farias de Queiroz no Sítio Sta Rita

 

A chuva tomou de conta, os populares se esconderam. No famoso beco da facada – hoje beco da alegria – os frequentadores se recolhiam na latada de um bar que ofertava abrigo e doses de nostalgia. Um pouco de luz, o dia anoitecendo, postes refletindo lúmens no recém instalado asfalto e a cidade seguindo seu rumo com toda sua idiossincrasia, tranquilidade ainda experimentada por um município do interior dos Cariris Velhos. Mansidão acompanhada com alegria por sua população que não quer mais do que aquilo e sim a tranquilidade de viver, conversar, repassar suas histórias e dormir em berço esplêndido, no silêncio e calmaria da noite até o despertar do galo e os primeiros raios de sol. Aproveitando o aconchego dos lençóis e o cheiro de terra molhada ofertado pela chuvinha que varou a madrugada.