Walle publicou, em 1911, em Paris, o livro “Au Brésil: du Rio São Francisco au d’Amazone”. Em 24 de janeiro de 1913, a parte do livro que tratava da Paraíba foi traduzida para o português pelo militar paraibano Jonathas Barreto e publicada no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. No mês seguinte, o texto foi republicado na Capital paraibana no jornal O Norte. Em 2006, o Senado Federal fez uma edição do livro de Paul Walle.
Da obra de Paul Walle se extrai uma visão, de cento e catorze anos atrás, que um viajante europeu teve da Capital do Estado da Paraíba, a começar pelos principais meios de se chegar à cidade:
A chegada por mar é mais agradável que a por via terrestre […] Para chegar à capital, toma-se a estrada de ferro Conde d’Eu, de bitola estreita, hoje arrendada pela Great Western, que cobre a distância de 18 quilômetros em 35 minutos, através de areais, de bosques de palmeiras ou de mata cerrada, de planícies ou várzeas cultivadas. Depois de descrever uma grande curva, o trem atinge a estação de Paraíba, onde uma multidão de moleques e carregadores, junto com mendigos dos mais variados tipos e trajes, todos descalços, aguardam a sua chegada, misturados a alguns desocupados ou empregados, devidamente empertigados em roupas elegantes”.
Do relato de Paul Walle percebe-se que, naquela época, as questiúnculas políticas locais contribuíam para entravar o progresso da Capital do Estado, que era então denominada Paraíba, nome que foi dado pelos povos originários da região ao rio que atravessa boa parte do Estado e que serviu, também, para denominar a cidade. Segundo Walle, “Paraíba é uma cidade modesta e atrasada, não por falta de valor ou boas intenções da parte de seus governantes, mas por escassez de recursos orçamentários. Trata-se de uma capital, dentre outras ainda bem numerosas, onde uma política desenfreada absorve todas as energias, esteriliza os caracteres, as faculdades e as aptidões, em benefício de um grupo de ambiciosos que não admite oposição”.
Paul Walle passa, em seguida, a descrever alguns aspectos da Capital da Paraíba. A cidade ainda tinha a iluminação pública por meio de lampiões (que não eram acesos nas noites de luar), o abastecimento de água nas casas e nos diversos estabelecimentos era feito utilizando-se poços e cisternas ou, então, a água era coletada nas bicas e fontes e transportada para as residências em barris pendurados em cangalhas que eram colocadas em lombos de animais. A rede de esgotos inexistia naquela época:
“Todos ainda vivem lá na era do petróleo, com as ruas, mais ou menos calçadas, iluminadas com lampiões a óleo, presos a colunas ou postes de madeira, lampiões esses que não são acesos nas noites de luar. Não existe tampouco canalização de esgotos ou serviço de água potável. Os habitantes, ou pelo menos alguns deles, possuem poços e cisternas; os outros se utilizam dos serviços dos carregadores de água, indivíduos característicos, que vemos cruzar as ruas a todo momento, guiando um cavalo ou burro esquelético e carregando sobre a sela do animal dois barris de água colhida nas fontes das proximidades. Com o correr do tempo, o animal e o homem se transformam em amigos inseparáveis […] Linhas de bonde de tração animal existem entre a cidade e os arrabaldes de Trincheiras e Tambiá.”
Pelo relato de Paul Walle, se toma conhecimento de que, naquele momento, o centro comercial da Capital do Estado se concentrava na parte baixa da cidade, que era chamada de Varadouro, desde os primeiros tempos da colonização da Paraíba, por conta do antigo porto fluvial localizado
na margem direita do rio Sanhauá que era chamado de “varadouro das naus”. Pelas páginas do Almanak Laemert referente ao ano de 1909 se constata a importância da cidade baixa para a vida da cidade. A antiga Rua das Convertidas, que depois passou a se chamar Rua Conde d’Eu, e que com a morte do líder abolicionista e republicano paraibano Maciel Pinheiro passou a ter o seu nome, era a principal artéria do comércio da Capital. Nela existiam cinco alfaiatarias, quatro barbearias, 2 ourivesarias, 13 estabelecimentos de estivas, 11 firmas de importação e 23 lojas de tecidos. Um aspecto que chama a atenção na narrativa de Walle é o fato de que, para ele, a cidade alta se encontrava, naquele momento, um pouco decaída.
A cidade se divide em duas partes: a cidade alta e a cidade baixa. A primeira, construída no setor mais elevado da Paraíba é a parte antiga, está atualmente como que estacionada, por isso que nenhum traço pronunciado se nota de progresso, está mesmo um tanto decaída: é entretanto aí que se concentra a vida elegante e onde se encontram os clubes e os melhores cafés. A cidade baixa, ou Varadouro, situada na planície, para os lados do porto e ao nível do rio, se tornou a capital propriamente dita, ao mesmo tempo que seu centro comercial. Ela reúne, de fato, os entrepostos, lojas de moda, alfaiates, livrarias, chapelarias, hotéis, etc., onde a atividade é relativamente grande.
O geógrafo francês passa a descrever ruas, praças, igrejas e outras edificações de importância da cidade:
larga e bastante regular, é ladeada de construções antigas, mas sólidas. Ela continua na Rua Nova2, que data de 1634, mas é assim denominada, em virtude dos novos edifícios que nela foram erguidos. Sobre a colina, veem-se ainda algumas boas residências pertencentes a comerciantes ricos. A cidade velha possui certo número de belos edifícios, entre os quais a catedral, que é de grandes dimensões, ornada de duas torres, e foi edificada nessa mesma colina em 1635, sob a invocação de Nossa Senhora das Neves. O convento e a igreja de São Francisco, um pouco mais antigos, também são muito grandes e possuem uma fachada característica: a entrada da igreja é precedida de um pátio com belos mosaicos. O convento, que os holandeses fortificaram quando ocuparam a cidade, mudou de destinação e serve hoje como uma escola primária (seminário).
Numa praça (atual Praça João Pessoa), fechada por um gradil, mas cheia de palmeiras e de uma rica vegetação tropical, encontra-se outro convento, colado a uma igreja encimada por uma torre secular (Nota: demolida, em 1929). Trata-se do velho convento dos jesuítas, que, como ocorre em muitas outras partes do Brasil e da América do Sul, serve hoje como palácio do governo do Estado. Bem ao lado, encontra-se o Liceu Paraibano (Nota: o Liceu funcionou no local até 1938, quando se transferiu para a sua sede atual na Av. Getúlio Vargas).
Na imponente Praça General Bento da Gama (Nota: atual Praça Pedro Américo), infelizmente não bem cuidada, que se encontra num plano mais ou menos intermediário entre a cidade alta e a cidade baixa, é possível observar ainda alguns grandes edifícios, como o do Correio, de belas proporções, e o Quartel da Polícia, defronte a este. À direita, acha-se o Teatro Santa Rosa e, do outro lado, a Associação Beneficente Italiana, cercada de casas bem modestas, e mais adiante o Tesouro do Estado e a Escola de Aprendizes Marinheiros.
Paul Walle também menciona as praias que eram usadas pelos moradores:
No seu relatório Paul Walle considerava que na Paraíba daquela época, pela incipiente urbanização que então existia, somente à Capital do Estado, que tinha uma população de cerca de 20 mil habitantes, poderia ser dada, verdadeiramente, a denominação de cidade: