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          Deus me livre de um Titan ( Damião Ramos Cavalcanti )

 

 

          Deus me livre de um Titan

          A água começou a me fazer medo, quando, ainda menino, vi a cheia do rio Paraíba, passando atrás da minha casa, em Pilar. A força era grande e zoadenta, batendo nela mesma, nas pedras, onde as lavadeiras se acocoravam ao serviço, e na ponte, de onde os afoitos ‘frecheiravam’ contra a profundeza ou davam bundacanastra, reaparecendo vivos, depois do perigo, no outro lado da margem, para subirem de novo, sem precisar coragem, como à primeira vez. As águas soavam estranho barulho, parecendo vir de longe, carregando árvores inteiras, com galhos e tudo, alguns despelados; também, bois e cavalos mortos, velozes como a correnteza, como se estivessem vivos. Juntos demonstravam caminhar distâncias, para se entregarem ao mar, onde, dizia meu avô Joca, haver muita e muita água.  
          Nos tempos de cheia, o sítio, alongamento do quintal, também amedrontava; terreno côncavo, que se enchia de água, e lá pelo meio, cobria qualquer criança. Então, banhar-se no sítio afrontaria a ordem do pai, a brincar com água que prenunciava afogamento, sem temer o que acontecia com bodes, bezerros, demonstrados pela enchente. Assim, aprendi a estimar mais a terra firme, do que as águas que encobrem o chão. Desde então, o arriscado se torna causa do medo, pelo bom senso aprendendo-se que todo medo teme a morte. Não me imagino numa jangada, dependendo de frágeis velas, no alto mar – Bravo ao pescador! Andar de lancha com  todos os apetrechos para boiar já considero uma aventura. Ainda enfrento uma viagem num transatlântico, contudo lembrando-me do Titanic… O mar é o mar, merece respeito, assim vivem os peixes e comportam-se os mais cautos e experientes pescadores, onde se afoga qualquer vaidade humana.
          A aventura de ir às mais profundas águas do oceano, incentivados pela vaidosa sensação de estar ao lado do famoso Titanic, motivou a construção de um pequeno submersível, sem suficiente autonomia, para uma viagem às profundezas mais distantes do oceano, lugar aonde a maioria dos peixes não consegue ir, tampouco chegar. Desejo mórbido, como se tratasse da insegurança de viagem a algum planeta desconhecido. Não viajaria a Marte, sem certeza de voltar à Terra. Curiosidade tenho, até gostaria de antes de morrer, conseguir ver extraterrestres, falados desde os idos das enchentes. Mas isso não me entusiasma ao ponto de ir à procura dessa gente, sem conforto e desconfortos que vivenciamos por aqui.
         Já conversei com quem comandou um submarino de verdade, descreveu-me a coragem de quem decide ser membro de sua tripulação, absolutamente fechada e de pouco espaço, com oxigênio limitado; o que exige até testes psicológicos, mesmo sem outros medos ou claustrofobia. É preciso enfrentar a possibilidade de afundar e a expectativa de salvamento, contando horas, minutos da existência de ar para respirar… Já ocorreram fatos semelhantes, em sofisticados submarinos atômicos, movidos à energia nuclear, e com forte blindagem para suportar ataques de mísseis de guerra e o enorme peso das águas. Mesmo assim, perdido ou quebrado, suas tripulações inteiras pereceram. O Titan é o Titanic, sem ic, ao final, mas que padeceram o mesmo fim, e nas mesmas águas. Titanic lembra o filme O Navio Fantasma, que elimina todos os que tentaram resgatá-lo, numa impressionante película mal-assombrada.
          Depois de 10 metros da praia, não enfrento ondas, tampouco maiores profundidades do mar que engole todos os rios; e jamais a escuridão, a falta de vida, a pressão atmosférica a que se submeteram os cinco talvez inocentes, que todos morreram. Implodiram, sem algum átimo para pensar, como um raio, coube-lhes a expressão de Castro Alves: “Fatalidade atroz que a mente esmaga”… Deus me livre de um Titan, mesmo que, como diz Virgílio, o medo me acrescente asas aos pés.

Damião Ramos Cavalcanti