ERA TARDE DE UMA QUARTA-FEIRA. No calendário, quase todos os dias estavam riscados, o próximo a ser vítima da bic azul seria o 21 de março. Uma programação de rotina era necessária ser executada em um disjuntor para que a subestação Xingú continuasse escoando energia da usina de Belo Monte – no Pará – para uma grande porção do Brasil. Algo deu errado! De repente, um efeito em cadeia deixou cerca de 70 milhões de pessoas sem luz em 14 estados das regiões Norte e Nordeste.
Deu no Jornal, foi falha humana! Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), a rede de proteção do disjuntor estava programada para operar em corrente máxima de 4mil ampères, grande equívoco, pois sua capacidade chega a 5mil, assim a consequência foi a interrupção da fluência energética, desligando e apagando tudo. Não era mais possível ver TV, ouvir o rádio, se refrescar em ar refrigerado. Nos grupos de whatsapp a notícia se espraiava como rastilho de pólvora: – Tem energia aí? – Aqui faltou! – Aqui faltou também. Os minutos se passavam e familiares em outros estados também respondiam positivamente aos reclames: – Minha gente, lá no Recife também não tem energia, isso é em todo canto! E algumas operadoras de telefonia começaram a não mais funcionar; no carro, nenhuma rádio no ar. Celulares começaram a descarregar, o caos se instalou.
A tarde perdia corpo, nuvens esparsas escondiam cada vez mais os últimos raios de sol. Anoitecia… Pela janela, nada de luzes em postes, prédios apagados, a escuridão engolia o horizonte e na mercearia da esquina, o pequeno estoque de velas se acabara há meia hora. – Mas seu Floriano, não tem nenhuma velinha pra mim? Estou sozinha com minha mãe, vamos ficar no escuro! Compadecido com o lamento, o dono da bodega retira uma das oito velas da única caixa que ele reservou para seu uso doméstico: –Tome, precisa pagar não, pode levar.
Na rua por trás de seu Floriano, fatos inusitados começaram a aparecer. Em casa, já às sete da noite, os jovens irmãos Gabriel e Robson sentiram fome e foram impedidos de fazer o costumeiro sanduíche na chapa elétrica, ficando obrigados a permanecer na cozinha e esperar o que a mãe poderia proporcionar usando o fogão. Ao redor de duas velas no centro da mesa, seu Valdemar Guerra, pai dos meninos, começa a contar histórias da sua infância, peripécias, é verdade! Os garotos se divertiam a cada história e se impressionaram com narrativas que jamais conheceram. Gabriel, o mais novo, com seus 14 anos, achou o máximo ter sabido daquelas histórias. Denis, que mora na mesma rua, entediado pelo silêncio não habitual, chamou sua irmã para a área, o terreiro de casa. Deitados no calçamento, descobriram o céu: – Estás vendo Lili, nunca mais a gente vai ver um céu tão bonito desse jeito, sem nenhuma interferência da luz. Olha, as estrelas perfeitas, e aquela nuvem? Parece uma poeira no céu (era uma nebulosa). Por volta das dez horas ouve-se um grito de várias vozes: – Êêêê… eram os vizinhos, grito ecoado pela chegada da energia. Pra cama, hora de dormir.
No outro dia na escola, distante duas ruas depois, Gabriel e Denis fizeram questão de contar como foi a noite de apagão em suas casas. Empolgados, contavam detalhes: – Foi o máximo, diziam à professora. Karine, que estuda na mesma sala, disse que o seu pai acendeu um lampeão, confessou que nunca tinha visto aquilo, uma luz n’um botijãozinho de gás; ao redor dele, depois de jantar, sua avó contou um monte de histórias de quando seus pais tinham se conhecido e muito mais. A aula daquele dia se resumiu em “contação de histórias”. Todos demonstraram felicidade por ter faltado energia, um dia diferente, “em que ficamos muito mais próximos uns dos outros, sem celular e sem internet”, disse outro garoto, o Roberto. – Foi tão bom, conversei tanto com mainha! Disse Karine. E a Professora a pensar com seus botões: “essa vivência que eles sentiram em uma noite era justamente o que tive na infância, nada de jogos eletrônicos, celulares e internet, interagíamos bastante uns com os outros. Tempos bons aqueles…”.
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