As velocidades das estradas, dos transportes e dos meios de comunicação tornam também rapidíssimas as transformações das grandes e também das pequenas cidades; cada vez mais as pequenas se tornam grandes, e talvez lamentavelmente… Causam estranheza lugares, onde nascemos e crescemos, vivenciando a infância, transformarem casas, becos e ruas estreitas, em avenidas. Acontecem bruscas mudanças que ofendem o patrimônio e sobretudo a memória coletiva.
Tais novidades, antes já registradas por memorialistas, propõem aos cronistas assunto, como se fossem eles historiadores dessas coisas, de repente, emergentes, com detalhes do quotidiano; sem preocupação das anotações, da busca dos dados históricos, ao escreverem sobre o que se manifesta, nos bares, nos cafés, nos bancos de praça ou em qualquer lugar da rua. Se é cronista, não espera o distanciamento do tempo; usa a água da chaleira, para o chá, tão logo esteja morna. Um dia, os cronistas, no arquivo dos jornais, considerar-se-ão como grandes colaboradores da História do Brasil, especialmente da história da cultura.
Temos, no genial Machado de Assis, o feitiço exemplar de escrever crônica, por excelência, na dosagem certa da mistura do exímio jornalismo do dia a dia com seu estilo na literatura. Segundo ele próprio, a boa crônica devém fácil de escrever; começa de qualquer coisa; de fatos ou de gente triviais. Como aquele senhor gordo que, ao chegar à barraca da feira, em Cabedelo, antes de escolher o peixe ou de perguntar se tem siri ou caranguejo, de repente, confessa, em alto e bom som: – Desisti de viver mais de cem anos! O que, surpreendentemente, respondeu o peixeiro: – Acabo de perder um companheiro… Imagine, dessa trivialidade, veio-me a ideia de iniciar uma crônica.
Desse modo, poderia dizer que as crônicas aconteceram, antes dos chamados cronistas… Enfim, qual cronista é mais velho do que a crônica? Ninguém assume essa idade ou atribui a alguém essa longevidade. Sabe-se que a crônica provém, há quase quinhentos anos antes de Cristo, coexistindo com o Livro de Esdras, quando já abundavam muitas frivolidades e besteiras, para se iniciar uma crônica. Por isso, a crônica é agradável. Ora, para existir roupa, basta que haja alguém nu ou nua, preferencialmente alguma nua…
Tal condicional já se faz suficiente para inspirar uma crônica, que fale de tecido, linha, agulha, ou de roupa, sem dizer nada sobre costureira ou alfaiate, frio, calor ou pecado. Daí, ser difícil precisar em que momento ou circunstância, origina-se uma crônica. Ir a pé, ou apear do cavalo, à porta do cemitério, já é mais do que suficiente para se fazer uma crônica, sobre a vida ou sobre a morte. Depois de enterrado o morto, voltamos às nossas casas, aí é que encontramos motivos para se reiniciarem outras crônicas: Por que não íamos caminhando a pé como os vivos? Por que deixamos enterrado o querido morto, sob o causticante sol, daquela manhã?
Jesus, que nada escreveu, já daria inspiração para que se escrevessem muitas crônicas, sobre desprendidos objetivos da vida: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu, seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça. Outra vez um dos seus discípulos lhe disse: Senhor, deixa-me ir primeiro enterrar meu pai. Porém, Jesus lhe respondeu: Segue-me e deixa que os mortos enterrem os seus mortos.” Assim, com essa determinação, terminou um filme japonês, em legenda, depois de uma sangrenta batalha, quando um dos soldados pediu ao general, antes de partir, para enterrar seus amigos, que morreram ao seu lado, vítimas da mesma guerra. Daí, a infinitude para se iniciar uma crônica.