O matuto Aracati, dentre os ventos do mundo
Sim, vivemos tempos inquietos, mas, se não estamos nos céus ou no mar, que temos a ver com o vento? Afinal, não somos aviadores ou marinheiros. Se caso ele não diminua o calor, pouco melhora a carestia, a qual enfrentamos na feira e nos postos de gasolina… Nada a reclamar quanto às ventanias, se elas não desgostam as flores e a natureza. Pelo contrário, tenho passado pelas ruas dos nossos bairros periféricos e observado, à boquinha da noite, quando até por lá o trânsito sofre de uma aborrecível lentidão, famílias, reunidas na calçada, a desfrutarem saudável brisa, nesses dias de calor. Sim, aquela brisa que acaricia amantes, balança as flores e faz dançar as folhas, como foi, antigamente, a gosto de Céfalo e a contragosto da ciumenta esposa Prócris, na Metamorfoses, do poeta Ovidio. Assim, ele goza de certa universalidade, o vento que sopra por aí é o mesmo que ventila por aqui, sem diferença do vento da antiga Grécia, também agitando os mares de cor turmalinosa da Ilíada e da Odisseia, do poeta Homero que denominou o vento, conforme ele se apresentava, de Bóreas, Euro, Noto e Zéfiro.
Era assim também em Pilar, na larga calçada da minha infância, quando escutava conversas de gente grande, entre os homens, quando menino sempre se faz de ‘penetra’ e consegue ouvir alguns segredos dos adultos. A casa onde nasci, exatamente hoje, localiza-se olhando a frente do Mercado Público, ao lado da então morada de Zezita Matos, nossa atriz paraibana. Calçadas por onde também vi andar, de paletó branco, José Lins do Rego, escritor, cronista, e romancista, filho daquela terra. Também observei o vento em vários pequenos municípios, quando, por motivo de viagem a trabalho, as cidades interioranas demonstravam haver o costume, aprovado pelo hábito, de não se confinar entre quatro paredes, nas vespertinas horas calorentas. Sem poder aquisitivo para dispendiosa refrigeração, nada melhor do que a gratuidade do ar, que bondosamente corre na natureza.
A denominação, que mais amo e guardo na memória, foi-me explicada pela bela sertaneja Magnólia, durante as férias da minha juventude, sentado nas calçadas de Santa Cruz, Paróquia do Padre João Andriola, avizinhada por Sousa que também desfruta da corrente do querido Vento do Aracati ou simplesmente do Aracati. Vindo das praias cearenses, ele perpassa serras e alivia o calor de outras cidades paraibanas, sertanejas em tempos sem chuva. É pontual, não falha, tal qual fiel namorado; chega logo depois do jantar, aos momentos das boas conversas, do namoro, ou de soltar qualquer assunto que a seja a crônica do dia, naquela cidade. No Sertão, o Aracati se fez costume caseiro…
O Aracati faz de tudo, inclusive inspira, como em Gonçalves Dias, comparando-o à “bonança”; ou em José de Alencar, ao romanceá-lo em Iracema, como o “vento que chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão”. Aracati, por aquelas bandas, assume, originalmente, também a versão do tupi: “bom vento”. Isso se tornou para mim uma ímpar paisagem cultural. É uma brisa que sopra nas tardes de verão, depois de, empurrando as velas, carregar as sumacas, trazendo de volta os jangadeiros às suas casas, talvez em Canoa Quebrada.
Se a cidade, como o mesmo nome, tenha até sido capital daquele Estado e que mais se aproxime do turismo em Fortaleza, não importa. O importante é o vento, que se batizou por lá, como sendo de Aracati. E que comunga conosco, propiciando-nos saudosas conversas, conforto, lazer e bem-estar, sem precisarmos de chamá-lo com fé em crendices, por “três assobios”, pelo “sopro do búzio”, ou de rezar gritando “São Lourenço! Solte o vento”.
Sem discordar da Cosmologia e dos antigos filósofos sobre os elementos, como a água, a terra e o fogo, penso ser o vento coisa do infinito…