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60 horas presa na lama: A história emocionante por trás da foto da menina que ninguém pôde salvar

Omayra Sánchez, da Colômbia, tinha apenas 13 anos quando teve o anúncio de sua morte registrado em uma série de fotografias que chocaram o mundo e ficaram na história do fotojornalismo.

A imagem, premiada pela fundação World Press Photo, foi feita pelo fotógrafo francês Frank Fournier, e causou impacto global, uma vez que neste ponto, todos já conheciam a história da colombiana pelas câmeras da televisão.

À época, a fotografia levantou grandes debates sobre o poder da tecnologia, que permitiu ao mundo acompanhar de maneira intimista os últimos momentos da vida de Omayra. As informações são da BBC.

Omayra foi uma das muitas vítimas do vulcão Nevado del Ruiz, que destruiu parte da região de Armero — cidade à época com 50.000 habitantes, localizada a 4 horas da capital Bogota, na Colômbia — em 1985.

No início, os bombeiros conseguiram abrir espaço no local dos escombros e apenas uma das mãos de Omayra foi vista. Ao retirar mais escombros, conseguiram ver sua cabeça e entenderam que a situação era gravíssima.

Todas as tentativas de tentar puxá-la eram impossíveis

Uma das possibilidades apontadas era amputar suas pernas para conseguir retirá-la do local, mas os bombeiros e socorristas não tinham recursos técnicos e instrumentos cirúrgicos para fazer isso.

Na ocasião, funcionários da Cruz Vermelha fizeram repetidos apelos ao governo para uso de uma bomba que baixasse o nível da água, mas não obtiveram resposta. A ideia era salvar a criança tendo acesso ao local que a prendia, e para isso precisariam retirar a água.

Suas pernas estavam presas por uma espécie de porta de tijolos e concreto, justamente aos braços do corpo de sua tia, que havia sido morta pela lama. Os socorristas e voluntários tentavam de todas as formas puxá-la, mas não era possível. A população pedia incessantemente uma bomba para às autoridades, mas não eram ouvidas.

Pela negativa da bomba e sem possibilidade sobre o que fazer, em determinado momento os socorristas da Cruz Vermelha foram obrigados a desistir de tentar salvá-la. Então, apenas ficaram ao seu lado até o último momento, durante 60 horas, rezando e confortando-a.

Era como um espetáculo dramático do horror. Uma bomba d’água poderia ter permitido uma tentativa adequada de ajuda por parte dos socorristas da Cruz Vermelha.

O relato do fotógrafo

Fournier chegou à Bogotá dois dias depois da erupção do vulcão. Para chegar até Armero, ele precisou viajar por mais cinco horas de carro e depois mais duas horas e meia caminhando.

Segundo ele, no momento, a Colômbia enfrentava um conturbado momento político. Pouco antes da erupção, o Palácio da Justiça, em Bogotá, havia sido tomado por guerrilheiros do grupo esquerdista M-19.

“Muitas pessoas tinham sido mortas e isso tinha tido um grande impacto na forma como as pessoas da cidade de Armero foram ajudadas”, contou ele em uma entrevista concedida em 2005 à BBC. “O Exército, por exemplo, havia sido mobilizado para a capital”.

Os socorristas, conformados com a impossibilidade, apenas confortavam seu psicológico, davam água, comida e rezavam

“Eu cheguei ao vilarejo de Armero de madrugada, cerca de três dias depois da explosão. Havia muita confusão, as pessoas estavam em choque e precisando desesperadamente de ajuda. Muitos estavam presos em entulhos”, prossegue.

“Eu encontrei um fazendeiro que me contou dessa menininha que precisava de ajuda. Ele me levou até ela, ela estava praticamente sozinha, havia apenas algumas pessoas em volta e alguns funcionários de resgate ajudando outra pessoa perto dali”.

“Ela estava num grande lamaçal, presa da cintura para baixo por concreto e outros restos das casas que haviam desabado. Ela estava ali por quase três dias. Começava a amanhecer e a pobre menina estava sentindo dores e muito confusa”, relata.

Seu corpo estava completamente preso, pelas pernas, embaixo de uma “porta de tijolos e concreto”, de tal forma que era impossível retirá-la

“Em toda parte, centenas de pessoas estavam presas. Os funcionários de resgate tinham dificuldade em chegar até as vítimas. Eu conseguia ouvir as pessoas gritando por ajuda e depois silêncio, um silêncio sinistro. Era muito assustador. Havia alguns helicópteros, alguns que haviam sido emprestados por uma companhia de petróleo, tentando ajudar as pessoas”.

“E daí tinha essa menininha e as pessoas não tinham poder para ajudá-la. Os funcionários de resgate voltavam para falar com ela, fazendeiros locais e algumas pessoas que tinham algum tipo de ajuda médica. Eles tentavam confortá-la”.

“Quando eu tirei as fotos eu me senti completamente impotente na frente dessa menininha, que estava enfrentando a morte com coragem e dignidade. Ela podia sentir que a vida dela estava indo embora. Eu achei que a única coisa que eu podia fazer era retratar adequadamente a coragem, o sofrimento e a dignidade dessa menininha e esperar que isso mobilizaria as pessoas a ajudar aqueles que haviam sido resgatados e salvos”.

“A essa altura, Omayra já perdia a consciência, às vezes recobrando-a”, revelou. “Ela até me perguntou se eu podia levá-la para a escola porque ela estava preocupada que chegaria atrasada”.

O fotógrafo acrescentou ainda ter sentido uma obrigação de retratar o que Omayra estava passando e, portanto, decidiu enviar o filme com as fotos para seu agente na França.

“Eu dei o meu filme para alguns fotógrafos que estavam voltando para o aeroporto e pedi para que eles o mandassem para o meu agente em Paris. Omayra morreu cerca de três horas depois de eu chegar lá. Na hora, eu não percebi o poder da fotografia, a forma como o olho da menina se conectou com a câmera”.

A fotografia de Omayra foi publicada dias depois pela revista Paris Match. O drama de Omayra já havia sido explorado pelas câmeras de TV. Logo, o mundo todo já sabia o que tinha acontecido e talvez por isso a foto de Fournier tenha causado tanta perturbação.

“As pessoas me perguntavam: Por que você não a ajudou? Por que não a tirou de lá? Mas era impossível. Eu senti que era importante que eu registrasse a história e fiquei mais feliz pelo fato de ter havido uma reação. Teria sido pior se as pessoas não tivessem se importado”, disse o fotógrafo.

À época, o caso da colombiana causou grande alarde e debate no mundo sobre a questão do fotojornalismo, colocando o profissional como uma espécie de “abutre” em meio às desgraças.

“Eu acredito que a fotografia ajudou a levantar dinheiro de todo o mundo e ajudou a destacar a irresponsabilidade e a falta de coragem dos líderes de governo. Houve uma falta de liderança óbvia. Não havia planos de evacuação, embora os cientistas tivessem previsto a extensão catastrófica da erupção do vulcão”, critica o fotógrafo.

Após 60 horas de dor, sofrimento e angustia, Omayra não resistiu e faleceu de hipotermia e gangrena nos membros inferiores.

“As pessoas ainda acham a foto perturbadora. Isso destaca o poder duradouro dessa pequena menina. Eu tive sorte porque pude agir como uma ponte para ligar as pessoas com ela. É a mágica da coisa”, pontua ele.

“Há centenas de milhares de Omayras pelo mundo — histórias importantes sobre os pobres e os fracos —, e nós, fotojornalistas, estamos lá para criar a ponte”, acrescentou.

 

FONTE : JORNAL CIENCIA