“Braços abertos sobre a Guanabara”… Já dizia Tom Jobim
UMA FRENTE FRIA trouxe uma chuvinha na madrugada e o passeio ao Cristo Redentor programado para logo cedo, ficou um tanto preguiçoso. Às seis da manhã, encontramos uma dupla de guias, o Rodrigo (@riotourcarioca) e o também taxista Patrick, dois jovens que ao longo dos dois dias em que passamos juntos, demonstraram muita capacidade, boa vontade e alegria no que faziam. Àquela hora, o sol tentava aparecer, fazendo cintilar as águas da Baía da Guanabara.
O Pão de Açúcar e o Cristo são ícones marcantes que sobressaem aos olhos, despertando sentimentos. Se eu disser que não me arrepiei encarando aquela imagem de braços abertos há mais de 700m de altitude, estarei mentindo. O seu lugar foi tão bem escolhido que é possível vê-lo da maioria dos lugares. Abençoando ou vigiando, prática mui inteligente da igreja católica que desde tempos imemoriais ocupam estrategicamente o outeiro das cidades com suas torres olhando a vida da urbe.
Da ferrovia elétrica mais antiga do país – Estação Cosme Velho
O trajeto pela Rua Cosme Velho é bucólico. Ali a mata atlântica oferta uma bela paisagem com curvas sinuosas e sobrados antigos em uma poética atmosfera. Aconchegante. Umidade alta, cheiro de mata e uma leve sensação de frio nos tomava através da brisa que alisava nossos rostos adentrando pela janela. Até que chegamos à ferrovia inclinada Estação Cosme Velho, nosso ponto de acesso a estátua famosa. Pena que não deu para, duas curvas após, ir ao endereço do sobrado onde o escritor Machado de Assis viveu um pouco depois de ter casado com sua portuguesa Carolina. A partir de 1883, o sobrado neoclássico e o clima ameno do Cosme Velho fizeram parte da inspiração de suas obras até seus últimos dias. Hoje um prédio residencial e no térreo, entre lojas, um café-livraria homenageando o patrono da Academia Brasileira de Letras.
Tucano no bico do poste
De imediato, dentre os que já compunham uma fila, notei a presença de muitos estrangeiros. Eram palavras em inglês, francês, espanhol e acredito que em alemão, aliás, em todos os lugares que visitei, notei esta característica. O Rio é a porta do Brasil para o mundo. Na espera pela condução, muitas aves entre as árvores pareciam curiosas. Muitas pequenas araras e seu estridente canto, maracanãs e um grupo de pelo menos dez tucanos-de-bico-preto. É interessante que essa é uma das contradições do Rio de Janeiro. Uma grande metrópole (sendo redundante) conviver umbilicalmente com a exuberância de uma mata atlântica tão rica e preservada, como é a floresta da Tijuca e seu Parque Nacional (o Parque Lage), além da porção de mata atlântica que se espalha a oeste para o Parque Estadual da Pedra Branca, ao norte o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e reserva biológica do Tinguá, além de toda Estação Ecológica da Guanabara.
Subindo, no trem, as imagens em meio a mata
Subimos o caminho estreito, de cada brecha em meio a mata era possível entender a altitude percorrida. Na estradinha que acompanha a linha férrea, muita gente correndo no que descobri ser uma edição da ‘Maratona do Cristo’. Em menos de vinte minutos subimos os 710m e impossível estar diante daquele visual e não lembrar do ‘Samba do avião’ do Tom Jobim, ode ao Rio: “Minha alma canta/ Vejo o Rio de Janeiro” e ali o “Cristo Redentor/ Braços abertos sobre a Guanabara”. Mar, montanhas, escarpas, praias sem fim. Tão alto e tudo tão pequeno lá embaixo que dos pés do Cristo, parecíamos estar verdadeiramente junto a Deus. Foi aí que entendi a importância que a cidade deu ao lugar ao longo da história, mesmo antes do Redentor. Pico já conhecido, despertou a curiosidade de Dom Pedro I que subiu o Corcovado em 22 de fevereiro de 1824. Anos após, instalaram um telégrafo e em seguida um dos espaços mais concorridos nos fins de semana, para onde foi construída uma linha férrea inaugurada em 1884. Meses depois, a mando de Dom Pedro II, foi erigido um coreto/mirante, chamado de ‘Chapéu do sol’ sendo destaque até a inauguração do Cristo em 12 de outubro de 1931. A edição do dia do jornal ‘O Globo’ exibiu em destaque: << Christo reina impera e livrará o Brasil de todos os males>>.
A capela de Nossa Sra. de Aparecida
Por onde andei foi comum saber de muitos cariocas que nunca subiram o Corcovado ou os que fizeram, foi uma só vez. Se pode subir a pé, de van e também de trem (o passeio mais caro). Cá com meus botões, Cristo ali está abençoando a todo o tempo, basta olhar para cima e fazer sua prece. E a geografia da cidade possui uma fartura de mirantes, inclusive nas áreas mais populosas, ver o Rio do alto para eles não é novidade, mas aquele cenário é marcante e vale muito a pena contemplar uma das sete maravilhas do mundo moderno.
O caminho do trem na estação Cosme Velho
Fonte: Thomas Bruno