A bandeira de Vassoura
A bandeira de Vassoura era honrada, jamais ela ousou usá-la somente para si, para uma religião, para um partido, para escola de samba ou para qualquer agremiação carnavalesca. A simbolização maior, respeitável de todas e de todos os brasileiros, ela preservava como sendo, com civismo, a Bandeira Nacional. Lembro-me de Vassoura, com broches e insígnias, empunhando, num cabo de vassoura, o nosso pavilhão nacional. Apenas não respondia com agrado, atacando a mãe alheia, a quem, escondido por trás de alguma árvore ou esquina, a chamasse de “vassoura”. Seu cavalo sonorizava belo trote, nas pedras do calçamento, tal qual o de “Jerônimo, o herói do Sertão”, imitado pelos dedos do radialista na mesa de madeira. Sua especialidade não era a fala, cada um com a sua loucura. Discurso era com Mocidade, conhecido como ex-aluno de medicina, que trocou a universidade, pelas ruas da cidade, para discursar contra o governo, as incongruências políticas e as injustiças sociais. Lia, o que lhe proporcionava eloquência, adequando palavras às ideias.
Mocidade enfrentava cerimonial de qualquer solenidade. Num almoço de Colação de Grau das autoridades universitárias, em Campina Grande, ele sentou-se na frente do Reitor que contava piadas. Perguntaram-lhe os pró-reitores porque ele não estava rindo, esclareceu: “Não trabalho na Furne…” Certa vez, no Ponto Cem Réis, cercado por estudantes, pediram-lhe “inflamado” discurso contra a ditadura, o que lhe renderia café e pão assado. Serviu-se do lanche, e calado, justificou: “Vocês me querem preso. A minha prisão é isso aqui”… Contudo, vez ou outra, substituía os que tinham medo de falar, temendo escuta e delação de algum “araponga”. Como se estivesse aprisionado àquela costumeira circunstância de vida, encorajava-se a criticar até seu “amigo” João Agripino, que sempre lhe favorecia com refeições, na sua própria casa. Tendo perguntado o Governador a razão de discursos contra ele, de pronto, Mocidade justificou: “Governo é pra sofrer”… Já Caixa d’Água, menos eloquente, mas engravatado num surrado paletó branco, dizia-se intelectual, imortal, escritor e poeta, loucuras acadêmicas, e a vaidade de livro publicado, vendendo-o, numa maleta, por onde passasse. São características da cidade, registradas em estátuas e até em museu.
O cavalo marrom de Vassoura era de verdade, contrapunha-se aos carros, na realidade das ruas, como na imaginação de Zé Queté de Catolé do Rocha, e de Macaxeira, correndo entre as ruas do Ponto Cem Réis, como ele próprio fosse um carro, apitando, passando marcha, usando os beiços como escape, jogando o corpo para o lado da curva, dando ré e tudo. Mas, o carro dele como os de Zé Queté não usavam bandeira, tampouco adesivos. Tais loucuras, às vezes, adornavam-se com a volante de algum carro sucateado. Loucura política era a da senhora Noca que, ao caminhar, em Jaguaribe, sem a doidice de ser perrepista ou liberal, batia firme a bengala na calçada, gritando “Viva Zé Pereira”! A Paraíba poderia ter galeria desses, injustamente, chamados de doidos, mas não considerados “doido de pedra”, jogavam apenas palavrões contra a mãe de quem os insultasse. Nessa Galeria haveria retratos de: Papa-rabo de Pilar, montado numa burra acinzentada; de Guarabira, Chico do Baita, o “cientista político”, e por lá, Salete Cobra, sempre à espera de um enterro. Galinha Baleada e Ferrugem, de Cajazeiras; Pedro Cancha, de Campina; também Pão de Bico; Davi, dono de todos os bancos; Carbureto, Pegueite e Garapa, improperando quem prometesse misturar água e açúcar. Cada reino tem personagens assim, o bobo da corte ; como por aqui, cada cidade. Enfim, Açoite de Piancó, rodando uma pedra, amarrada num cordão, para tirar fino no queixo, balbuciando curta jaculatória: “Tomara que bata, tomara que bata”…