Uma história de vida (Dia dos Pais)
Paulo Roberto, o timoneiro de sua vida
SEU NASCIMENTO foi dentro da própria casa com o auxílio de uma parteira, na humildade que o tempo deu naqueles tempos. O ar puro da colina da Palmeira certamente amainou a aflição daquele jovem casal que com pouco tempo de casado estava em sua segunda tentativa de ter seu primeiro filho. É que naqueles tempos, a mortalidade infantil afligia a sociedade, sobretudo as camadas populares, muito mais vulneráveis e desassistidas. Logo após a higiene necessária, o pequenino rebento já comia papa de farinha posta em sua boca pela mamãe, entremeando os dedos entre aqueles lábios miúdos, lambuzando-o com aquele manjar, rogando a Deus para dar sustância e fazer o menino se desenvolver.
Justamente no dia de seu nascimento, o ápice da lua cheia se deu. Era dia de São Jorge de 1959. O santo guerreiro o abençoou e aquele casal teve mais oito filhos com as graças de Deus, na verdade quatorze, mas cinco “fecharam os olhos” antes do primeiro ano de vida. Ainda criança foi com os pais morar na cidade grande e aquela partida selou o destino de sua vida e, por que não dizer, da família. É que seu pai foi vítima de assalto dentro de casa em uma fatídica madrugada e deixou o amoroso convívio familiar na ida ao hospital, partindo para o mundo celestial. Com treze anos, o garotinho (mais velho de nove irmãos) teve sua vida marcada pela luta buscando a sobrevivência da família, o que não deixou de fazer até hoje. Da pouca idade, muitos dos treze anos são incrivelmente assinalados em sua mente, talvez vivificados pela dolorosa e sentida ausência, o que fortaleceu os exemplos e gestos em memórias, extremamente presentes até hoje.
Trecho de matéria sobre “Seu Wilson” no Diário de Pernambuco
Depois de alguns anos, concorreu a uma vaga na escola de aprendizes marinheiros em Recife-PE através da orientação e insistência de seu patrão e amigo, o fotógrafo Wilson Carneiro da Cunha, onde trabalhou em seu quiosque vendendo fotos e cartões postais, se apaixonando pelo fotografar e olhar astuto daquele que foi marcante para a história do Recife, o “fotógrafo da cidade”. Passou no exame, trabalhou e estudou na escola até dar adeus sacudindo um lenço branco a sua mãe no cais do porto, partindo no navio Ary Parreiras para o Rio de Janeiro, seguindo para outra etapa marcante de sua vida. Foram quase cinco anos navegando mares desconhecidos e rios como o Amazonas (abaixo imagens dos tempos de marinheiro).
Seu salário enviava quase todo pelo correio para ajudar sua mãe a criar os irmãos que ficaram. Ela era chamada no início do mês na agência dos correios na pequena Puxinanã-PB, onde recebia do gerente as mesmas notas enviadas por ele. Espalhadas no balcão, exalavam o perfume passado nas mãos pelo filho distante, coisas de outros tempos. Em suas folgas, ao retornar para a pacata cidade onde sua mãe escolheu para criar seus filhos mais tranquilamente, era sucesso entre a juventude e mais ainda em casa, onde todos o tinham como pai. Um dia ele pediu baixa para retornar à Parahyba, onde logo conheceu o amor de sua vida, uma jovem de coincidentes treze anos, unindo suas histórias quase dois anos depois. Sete meses após eu nasci, pouco mais de três anos depois a minha irmã. E a nossa vida foi marcada pela simplicidade. Moramos um tempo com a minha avó, depois em algumas casas alugadas na companhia de minha avó, que alugava sempre uma casa próxima.
Com Dona Diana (minha mãe) e minha irmã Paula Wanessa
Ele, meu pai, possui sua idiossincrasia e me marcou desde a infância o amor e carinho com que sempre cuidou de todos nós, das minhas duas avós, meu bisavô, de tios e tias em um coração que não possui tamanho porque o amor é infinito. Cresci como um menino que baixava sempre a cabeça o obedecendo (e a mamãe, claro!), mas o admirando a cada dia que passava. Ele me deu uma escola, disse que faria de tudo pela minha educação e ela muitas vezes custou, o levando a algumas escolhas, mas outra escola foi a convivência íntima, diária e cheia de ensinamentos na mercearia dentro de casa. Ali, tive a vantagem de estar sobre suas asas, aprender suas brincadeiras e reproduzi-las (muitas vezes sem sucesso). Adolescente por vezes teimoso, ele estava sempre no controle e nunca deixou de cobrar minhas responsabilidades. Certa vez em uma conversa, um amigo espírita disse que sem dúvidas eu era a encarnação de meu avô. Aquilo mexeu comigo, com a gente. São semelhanças inexplicáveis, inclusive de preferências de épocas distintas. Será que Deus me daria a honra de ser pai de uma pessoa tão especial? Um homem cheio de energia, de uma vontade de viver invejável, de um otimismo e generosidade admirável, um exemplo muito importante para mim, um porto seguro.
Mercearia, escola para a vida
Essa alegria de viver e esse desejo de educar e acompanhar minha irmã e a mim, sempre de perto, me faz pensar que ele se esmera em nos dar tudo aquilo que não teve, ou que começou a ter e foi tirado injustamente. É meu pai, mas também sempre foi pai de meus amigos, um conselheiro, gentil, carismático, extremamente brincalhão e me surpreende a cada dia. Um sorriso gostoso que não me canso em admirar. Papai, te amo. Vida longa para vivermos mais e mais esse amor. Feliz dia dos Pais!
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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 13 de agosto de 2022.