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Saiu-se do Outono

E logo ele ficou esquecido. Fala-se do Outono muito menos do que das outras estações. Louvam-se o verão, as benesses do Sol e a liberdade de se ir e vir sem o incômodo das roupas de frio, bastando o suficiente que recomenda a Moral; pinta-se arte e compõe-se poesia sobre a Primavera; roga-se a Deus chuva para o Inverno aguar a lavoura. Mas pouco se comenta o Outono que teve, recentemente, sua plenitude do fim de março ao fim de junho, principalmente caracterizando-se pela perda das folhas que descem das árvores ou apenas como um período sazonal de preparação para o inverno; coisa que não é observada somente no hemisfério sul, onde se chama de “austral”, enquanto no Norte, por “outono boreal”.

Suas caraterísticas não são fortes. Durante o Outono, os dias se encurtam, com o Sol nascendo mais tarde e se pondo mais cedo. Nem é quente como o verão, nem frio como o inverno, tampouco alegre e florido como a Primavera que se destaca tão linda, nas Quatro Estações, de Vivaldi. O Outono, na Natureza, é a mais indefinida das estações. Nela, tudo é “menos”, inclusive as folhas nas árvores, deixando-as nuas, expondo seus galhos, semelhantes aos sem vida. Se acontece de tudo das estações menos, daí, talvez, na sua distinção, a amorfia. Qual das estações gostaria de ser considerada amorfa? Desculpe-me o Outono! Com a queda das folhas, ele motiva, na literatura ou nas artes, perda, tristeza. Escute Yves Montand, na extraordinária interpretação de Les Feuilles Mortes, que além de tudo, imagina a morte da natureza logo no nome da canção.

A memória, mesmo com suas falhas, recorda aquele verão quente e até suas consequentes secas. Lembra-se também do inverno, como o daquela de maior frio ou mais chuvosa, até acidentalmente das invernadas de inundações, de enchentes e de outras catástrofes. Mas, do Outono, qual recordação? Vem e passa despercebido, ao ponto de me despertar para esta crônica. E é por isso que é, até, fisicamente, tido como de clima ameno, a meio termo e trazendo-nos fortes ventanias que se vão, como o próprio vento, para ser mais ausente do que presente. Todavia, sua importância se verifica na sua função equinocial, cujo final é marcante como fenômeno astronômico ou mais precisamente como solstício de inverno, no hemisfério sul. Acontecimento que, no hemisfério norte, ao contrário, antecede o Verão.

Mas, quem se lembra de algum outono? É assim, também entre nós, cada um, na sua vida, tem as quatro estações… Embora haja preferências, como a de Montaigne, em Que Filosofar é Aprender a Morrer: “Se prestaram atenção à sucessão de minhas quatro estações, elas abrangem a infância, a adolescência, a virilidade e a velhice do mundo”. E ainda também Shakespeare, em Trabalhos de Amor Perdidos, Ato I: “Não desejo mais do que uma rosa no Natal, do que neve em maio, plena primavera. Mas gosto de cada coisa na estação certa”. E todos nós, especialmente o sertanejo, mesmo que interrompa os festejos juninos, desejamos copiosa chuva no Inverno.

 

Damião Ramos Cavalcanti