Morreu o grande amigo Sitônio Pinto, quase antes de ontem, quando Gonzaga comemorava, merecidamente, o prolongamento da sua graciosa vida e graças a Deus. E Sitônio, que também dizia coisas inesperadas, em formas lindas e por isso e sobretudo surpreendentes, comentaria a sua partida com a expressiva aprovação: – Estou indo, graças a Deus. Embora, sem querer desaprovar os desígnios divinos, quem não lamentaria a morte de Sitônio? Eu nunca me encontrei com ele, senão, ambos fazendo uma circunstância de alegria. Ria e admirava as suas filosóficas expressões sobre o tudo e sobre o nada. Sitônio era um excêntrico homem, cuja excentricidade explicava a distância entre ele e o que era apenas comum. Daí, a sua generosa atração, desfazendo compromissos e pressa de horário. Mesmo quando, de repente, ele ficava calado…
Verdade, ninguém nasce pronto, passa-se, cada um a seu modo, fazendo e fazendo-se na vida, o que não é fácil, porque é difícil, não impossível, a felicidade de se viver. O máximo que a Providência nos concede são circunstâncias de alegria, e como esses momentos são poucos, raridades, quando mesmo ocorre a morte de Sitônio. Guimarães Rosa, de quem tanto ele gostava, descrevia que a alegria ocorre em “raros momentos de distração”. Geralmente, ficamos tristes por causa de coisas e fatos tristes, especialmente quando uma pessoa amada morre… E até, ousadamente, indagamos, desrespeitando os planos de Deus para a Natureza: Que vida é essa? Nascemos, lutamos para viver e, quando tudo vai se ajeitando, morremos. Parece ser loucura de quem se alegra com a morte.
Há outras infelicidades que são provocadas pela maneira de ver as coisas, e para isso existe um infinito relativismo de visão, como se cada olho visse diferentemente. Há quem escreva que “os olhos são janelas da alma”; já o verdadeiro sábio Jesus Cristo diz que, nesse sentido, “os olhos são luzes do corpo”. Ou seja, quando o olho vê e compreende escuridão, somente trevas são vistas. Assim, podem acontecer coisas infelizmente piores, como ter medo do futuro, porque quem assim procede tem consequentemente medo de viver… Há um futuro que pode acontecer a qualquer instante: o fato de que quem nasce, inexoravelmente, morre… A convicção dessa certeza nos leva à resignação, sem, tampouco, essa provocação filosófica diminuir o ânimo de continuarmos a nos preparar, porque, a não nos sentirmos prontos, vivemos nos preparando.
Estamos por aqui, mas onde estará a alma de Sitônio? Como seu corpo era, sua alma é essencialmente imprevisível. O que disso se prevê se verifica na teoria de que o paraíso, depois da morte, seja igualzinho ao que se gostava aqui, entre nós. Tudo do mesmo jeito, apenas infinitamente seremos felizes, num mundo bem melhor, sem interrupções, a felicidade em seu estado perfeito, sem medo do futuro infeliz. Assim, a alma passará a um mundo tão iluminado que nossos olhos não sofrerão escuridão e não precisarão de ser nossas lamparinas. Muito se imagina o futuro como as coisas que aconteceram no passado ou como ocorrem no presente. A alma de Sitônio está livre dessa imaginação, não sofrerá mais alguma ansiedade, libertada do mundo dos ansiosos, de medrosos, o que Sitônio demonstrava, verbalmente, não ser; nada temia, como se fosse um destemido valente do cangaço. Se não nascemos prontos, assim também passou por esse instante Sitônio, lutando para viver e agora, sem algum medo, numa perfeita coragem estará nos olhando nesse mundo que nos deixou: o seu fantástico mundo de Dom Sertão, Dona Seca.
Damião Ramos Cavalcanti