NUNCA FUI um expert da sétima arte, mas um admirador às produções e seuscríticos. Tenho as minhas predileções e isso não é de hoje, é de outros tempos. Os caminhos e descaminhos me conduziram a isso, uma criança pobre que por muito tempo foi refém da tevê aberta, sobretudo a sessão “Tela-quente”, que resiste e ainda é exibida nas noites de segunda-feira na Tv Globo. Quer dizer, noite mais não, quase madrugada! Naquela época, a novela era “das oito”, o filme por volta das dez, e o Jô era mais ou menos onze e meia. Havia também o “Cinema em Casa” no SBT, mas com filmes que não chamavam atenção, ou… jogar bola era mais interessante!
Na minha rua, os garotos tinham suas preferências: Chuck Norris, Sylvester Stallone, Jean-Claude Van Damme, Jackie Chan… Não tínhamos ao dispor as produções da Disney que só chegava à criançada em comerciais de brinquedos ou nos desenhos animados da manhã, justamente o período da escola. O sonho de alargar esse leque vinha com a aquisição de um vídeo cassete, coisa que ninguém possuía, só um garoto de vida mais opulenta, mais velho que a maioria, e chato! Melhor não dizer quem é, nem mencionar que ele morava em uma rua transversal à nossa…
Confesso que outra coisa me incomodava bastante, é que o formato dos meus olhos não são tão redondos, mas levemente puxados. Quando me perguntavam se havia um oriental na família, eu respondia que a vizinha do primo de uma amiga era japonesa, “deve ser por isso!” e todos sorriam. Mas o fato é que para assistir a Tela Quente, já naquela hora em que todos estavam recolhidos em casa, e a mercearia fechada, procurávamos todos uma posição confortável no sofá ou tapete e quase sempre, no melhor dofilme, eu ouvia:
– Bruno, vá para a cama, você estádormindo!
– Tô não Papai, é sério. E dizia algumdetalhe do filme. Mas como ao meninonão existia a ousadia de enfrentar o Pai,tinha que ir esquentar o ninho esonhar bem antes do desejado.
Aquilo me deixava muito triste e deixei de assistir muitos filmes por conta disso, mas nunca soube o porquê daquela atitude comigo, até que, mais velho, em uma situação semelhante, só que na companhia de uma namorada, ela veio devagar até meu rosto uma vez,na segunda disse:
– Achei que você estivesse dormindo, delado vejo seu olho fechado. Eureca! Eraisso que acontecia, foi por isso que fuidormir mais cedo muitas vezes semmerecer. E expliquei tudo a SeuRoberto:
– Tá vendo Papai? Caramba!
Daí passei a observar que em váriasfotos em que estou longe, o olho parecefechado, fato negado após aplicar ozoom.
Fomos ter um vídeo cassete em casa depois de muitos anos, eu já adolescente. O curioso é que o controle não era remoto, existia um fio em que minha irmã distraída tropeçou algumas vezes, tinha uma ou duas cabeças somente. Temos o vídeo, certo, e as fitas VHS? Outra dificuldade, a locadora de excelência na cidade, que dispunha de filmes recentes, exigia umaindicação e um cadastro em que poucostinham condições de cumprir. Nas viagens de férias para Recife – uma porção da família de maiores recursos -lembro que ia com tio e primos alugar filmes todas as sextas-feiras, locavam-se três e ganhava um de regalo, mas com uma condição, todas deveriam ser entregues na segunda-feira rebobinada e até o meio-dia, caso contrário, o bônus deixaria de existir. Achei que seria do mesmo jeito em Campina. Mas era! Vocês entenderam… Entenderam?
Minha sensibilidade para a história me fez fugir de muitos seguimentos, preferindo documentários, biografias e filmes baseados em acontecimentos reais. Acho até legal quem se encanta com os lançamentos, aqueles que além de surfar na onda da moda (e do Oscar),são fartamente divulgados, mas eu estou no caminho inverso. Até filme de produção iraniana já assisti.
Se antigamente dependia da tevê aberta, hoje é muito diferente. Tenho acesso a algumas plataformas de fluxo contínuo, o tal streaming, de assinaturamensal; uma de música que me oferta milhões delas, e como adoro música, até lendo, até escrevendo, até divagando; e duas com filmes e séries que se não tivermos cuidado, nos tomam todo o tempo que de tão corrido, quase não o vemos passar em suas singularidades, mas isso já é outra história.
Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 4 de junho de 2022.