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Quase normal ( Thomas Bruno Oliveira )

Campina quase normal, vista a partir do novo bairro Bento

NO INÍCIO DA SEMANA recebi o convite para, juntamente com o Professor da UEPB Juvandi de Souza Santos, palestrarmos sobre a arqueologia da Paraíba e, mais especificamente, os sítios arqueológicos e históricos de Campina Grande. O evento foi organizado pela coordenadora de educação patrimonial da secretaria municipal de educação, a escritora e historiadora Giovanna de Aquino Araújo. Prof. Juvandi me liga para combinarmos os detalhes e eu ainda reticente, pensava se ia ou não. Depois das agruras “covideiras” que sofri, voltei a ter aquele medo insistente.

 

Mas aceitei e fui. Recusar um convite de Giovanna e do Juvandi, dois incansáveis defensores de nosso patrimônio histórico, não seria correto. E aí tentar me readaptar ao momento de flexibilização, mas de cuidado ainda. E tome álcool 70, máscara, etc. Não sabia mais o que era calçar sapatos, vestir uma roupa mais arrumada, nem recordava seus lugares no guarda-roupas. E as vozes dentro de casa?

 

– Vai pra onde desse jeito? Perguntou minha avó.

– Uma palestra na Prefeitura…

– Cuidado que a covid não acabou não viu?

– Tá, mas vai ser tudo distante, assim como é no trabalho.

 

E fui. Quanto tempo faz que não saio à boquinha da noite… Sair da garagem com o farol aceso, manobrar ao anoitecer. Encontrar amigos, confrades da noite e da vida. Encontros de fim de tarde para tratarmos de assuntos literários, projetos, divagações. Declamar emoções, dores e angústias, ouvir lamúrias e felicidades… No que se refere a boemia, infelizmente nosso centro está se esvaziando, principalmente à noite. Varar a madrugada no Chopp do Alemão, não tinha coisa melhor. Malibu que com mais de três décadas fechou as portas durante a pandemia. O bar do Genival, reduto de jornalistas, assim como o Bar do saudoso Anacleto e o Ferro d’Engomar, fecham por volta de sete da noite; Manoel da Carne de Sol, em um outro patamar. Hoje temos a Praça da Bandeira e a banda do Açude Novo virada para as Clarissas enfeitada de carros de lanche. Na praça, “O Líder” é o mais antigo com quase 30 anos. Comida, lanche, a simpatia de Ari, mas faltando o algo mais. Aos boêmios, restam os espetinhos que se espalham no Calçadão, Venâncio Neiva e Maciel Pinheiro, ou então que procurem os bairros mais próximos, onde os bares se multiplicam, ou para o lado da Ceasa, Conceição, Catolé ou Liberdade.

 

Ao lado do Prof. Juvandi Santos

 

E o evento foi na antiga Bolsa de Mercadorias de Campina Grande, sonho realizado pelo inquieto Edvaldo de Souza do Ó, a primeira do Nordeste e a segunda do país, hoje sem funcionamento, anexada a Secretaria de Educação. Dali, da mesa, via não só as palmeiras imperiais que ele tanto gostava, como avistava ao longe um painel luminoso no Hospital da Clipsi, um pouco do Teatro Municipal e parte da cobertura do palco principal d’O Maior São João do Mundo que está sendo montado para os festejos de 10 de junho a 10 de julho, depois de dois anos ocorrendo virtualmente. Estacionei defronte ao Centro Cultural, lembrei dos Coqueiros de Zé Rodrigues e de como é importante esse equipamento para a cultura da cidade. Ainda ostenta a decoração do último São João, como uma súplica que está prestes a ser plenamente respondida.

 

Saudamos os professores, trouxemos para eles parte do Patrimônio Arqueológico e Histórico da cidade em informações e retratos. Pulsamos seus corações com muitas coisas que eles não conheciam. Muitas dúvidas, muitos questionamentos e a certeza de que é importantíssimo estar defendendo nosso patrimônio, o que nos é sagrado enquanto cidadão, enquanto sociedade. A maneira que temos de enxergar o nosso passado, nosso percurso histórico, a formação das identidades e a nossa maneira de ser e de estar no mundo.

 

Thomas, Giovanna, Juvandi, Professora e Asfora Neto (Sec. de Educação)

 

As despedidas de murrinhos, sem abraço, sem aperto de mão. Os agradecimentos e o retorno para casa. A rua esquisita, os passos apressados até o carro. Desço a Rua das Imbiras, vejo casas históricas de moradores aos quais visitei. Na Major Belmiro, me lembrei do quase centenário Seu Barroso, “– Será que ele ainda está por ali?”. Olho à esquerda e a silhueta da Pirâmide, o Forródromo do Parque do Povo, me faz arrepiar. Ligo para casa, não tem jantar. Pensei no delivery, mas lembrei de toda sorte de lanches que tem no centro e do quanto os habitava. Subi a 13 de maio, vi a Mãe da Ternura na Praça e defronte aos Correios, não vi espaço para parar sem ser em fila dupla (que já me multou perto das 22h!). Resolvi descer para o Açude Novo, no “Lindo Olhar” pedi uma batatinha inglesa recheada com carne (para viagem) e “voltei para o mundo abençoado do meu lar” como canta Nelson Gonçalves.

 

Já em casa, compenetrado nas porções da batatinha recheada, refleti sobre os mistérios da vida, os riscos, os deveres e toda essa situação global. Mesmo assim, o que mais parece, é que tá tudo “quase normal”.

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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 16 de abril de 2022.