Se as crianças não nascessem, a cidade começaria a morrer, mal haveria transeuntes de bengala; o povo pararia de sorrir; os homens não enxergariam as mulheres ou elas não seriam conquistadas para amar, de cujo amor viriam as crianças. Todos se tornariam habituados à crise; sem esperança de novidade, conviver-se-ia com a não renovação dos valores. Não se falaria em prosperidade, dada a normalidade da crise. Far-se-iam outras violências, de modo galopante, como um bicho avassalador, porque assim a sociedade se mataria, envelhecendo, diminuindo de tamanho, como as nossas alturas na maior idade. Até os políticos perderiam a razão de ser, na proporção em que o povo que restasse não acreditaria mais em promessas; também porque os discursos sem valor já não provocariam alguma catarse à massa sisuda e descrente, mouca, sem perspectiva de futuro, caminhando em silêncio, indiferente às praças sem jardins e com brinquedos quebrados, enferrujados, sem o barulho dos gritos e das gargalhadas dos meninos e das meninas. Então, viva a criança no seu dia!
Restaurantes fechados, e a população, resignada, submetida a um racionamento de comida, sem quase gente para plantar. Não se sentiria a necessidade das manifestações, nem haveria líderes para protestar contra o errado. Para nada haveria liderança, tudo sem perspectiva, porque não estaria nascendo criança, tão somente crises sem turbulência… Até o trânsito desordeiro correria livre, porque também consequentemente teria diminuído a quantidade de carros e as grandes cidades, morrendo ou parando de crescer. Haveria indiferença às vitrines quebradas, deixadas pelas antigas ofertas no Dia das Crianças… Nada se alteraria, sem festas, sem comemorações dos aniversários dos filhos e filhas, dos netos e netas, apenas silenciosa recordação dos tempos de criança.
Sem cortes de cargos e com um natural congelamento de salários, o que ainda restasse do funcionalismo público. O país estaria parando e sem greve, tudo isso se as crianças não nascessem. Não haveria razões, tampouco incentivos àquele inexplicável “controle de natalidade”, como então em alguns países superpovoados, onde se pagava aos casais para não terem filhos e filhas. E agora, não ter criança vem à tona, constituindo-se uma ameaça de morte social, coletiva porque não se cuidou da vida coletiva. Surgiria uma superpopulação de pets… Até se pararia de comemorar o Dia da Criança. Por quê e para quem? Não havendo crianças, tampouco brinquedos e pulas-pulas, o brigadeiro seria proibido a uma população de adultos diabéticos em extinção.
Guardar-se-ia uma esperança: o sentimento da falta, da falta das crianças. Porque houve o tempo em que elas existiam, em abundância, mesmo algumas jogadas e soltas nas ruas, dormindo debaixo das marquises, passando fome, até morrerem de bronquite, contraída, sem cobertor, nas noites de chuva. A indiferença desumana a essas tenras vidas teria crescido de tal maneira, resultando na indiferença à sua existência, na criação de um mundo sem crianças. Reflita-se sobre isso no seu Dia… A sociedade é uma casa, cuja felicidade é um teto de vidro: vê-se o céu, mas, de repente, ele pode desabar em pedaços ou cacos cortantes. Mesmo que conseguíssemos conquistas sem precedentes; alimentação para todos; curássemos todas as doenças, inclusive o câncer; morrêssemos depois dos 120 anos; conquistássemos a paz mundial; até parecesse vencer a vida e a morte, mas, sem as crianças, tudo morreria. Sem elas, não aconteceria a felicidade social ou reinício de todos nós. Nesse sentido, a desvalorização da criança é um péssimo sinal dos tempos, que a humanidade vem fabricando e experimentando muitos malogros ou talvez a inexistência das crianças.