Reciclando presentes
Confesso que já passei algumas vergonhas com essa mania de dar a alguém um presente que recebi de outra pessoa anteriormente. Mas nada que se compare a Mãe Leca, que um dia recebeu de presente o que ela achou ser uma camiseta dessas básicas, para fazer atividade física. Nem se deu ao trabalho de abrir a embalagem porque já estava de saída para o aniversario de outra amiga. Simplesmente deu o presente que seria para ela originalmente. Ocorre que dentro da embalagem estava o cartão de oferecimento original, para ela.
Madame S. fez pior. Num determinado natal recebeu de uma nora um presente que ignorou solenemente (comportamento comum a algumas sogras) até a véspera do natal seguinte, quando juntou todos os presentes recebidos em diversas ocasiões e dos quais não gostara. Fez novos pacotes e saiu distribuindo pela família. Adivinhem quem recebeu o presente que a nora lhe dera no natal anterior? Quase deu em divorcio essa coincidência.
O Ministro Abelardo Jurema passou o Natal de 1964 exilado em Lima, sozinho, longe de toda a sua amada família. O dinheiro muito curto só permitiu que ele comprasse uns pares de sandálias de couro de lhama. Fez como pode um pacote desarrumado e conseguiu que um amigo que vinha para o Brasil entregasse o tal pacote em seu apartamento no Rio de Janeiro. Quem recebeu o tal pacote de manhã cedo foi Dona Maria, uma empregada meio surda e maluquinha que estava com a família há muito tempo. Ocorre que Dona Maria colocou a encomenda em cima do armário e continuou a faxina, sem dar noticia a ninguém do que ocorrera. À noite daquele mesmo dia 23 de dezembro um outro amigo do Ministro Abelardo estava indo para Lima e passou no apartamento dele no Rio de Janeiro para saber se havia alguma encomenda para o Ministro. Quem atendeu foi a mesma Dona Maria, que ligou os pontos encomenda, Ministro, Lima e entregou ao portador o mesmo pacote que recebera de manhã.
Em Lima o Ministro Abelardo amanheceu o dia de Natal com a notícia de que o amigo lhe trouxera uma encomenda de sua família. Sem dinheiro para um taxi, atravessou a cidade naquela fria manhã e pé, mas a saudade tornava o trajeto até prazeroso. Ao receber o pacote achou-o muito parecido com o que remetera. Voltou correndo para a pensão onde estava hospedado e abriu o pacote, onde estavam as sandálias que enviara. Muito tempo depois ele me contou essa (e muitas outras) história e naquela sua inconfundível voz, tomou mais um gole de uísque e desabafou: “- Ah, seu Pires. Eu pensei assim; que família ingrata, não fizeram nem um pacote diferente”.
Saudades do Ministro Abelardo e suas maravilhosas conversas.