Uma longa viagem
— É hora de partir, pequena.
— Porquê, mamã?
— O frio está a chegar e não podemos ficar aqui.
— Então para onde vamos?
— Para sul.
— Preparem-se, temos de ir embora!
— Para onde, papá?
— Não sei, mas para algum sítio longe daqui.
— Porquê?
— Porque a guerra já começou.
— Tenho medo, mamã.
— Medo? Porquê?
— Sou pequena. Não sei se consigo voar para tão longe.
— Eu sei que para ti é a primeira vez, mas depressa encontraremos um bando e
iremos todos juntos. Não te preocupes!
— Despachem-se! Temos que sair ou será tarde demais.
— Papá, esta é a nossa casa. Não me quero ir embora! Os meus amigos estão aqui.
Todas as nossas coisas estão aqui.
— Mas em breve não vai restar nada. Não ouviste as bombas? Há muita gente que
já está a partir, e muitos mais nos seguirão. Não te preocupes!
Iniciaram a caminhada, mas começou a chover e tiveram que procurar abrigo.
Choveu durante vários dias e,
enquanto os gansos esperavam
debaixo do coberto, os humanos
retomaram a caminhada, apesar de os
seus pés se enterrarem na lama.
Por fim, o sol voltou a aparecer e
as aves levantaram voo.
Longas caravanas de gente
avançavam na mesma direção. Alguns
ajudavam-se mutuamente, outros não
paravam de protestar e de se queixar,
mas a maioria olhava para trás com
tristeza.
Os gansos partilhavam a comida,
embora houvesse sempre pequenas
disputas provocadas pelos mais fortes,
que achavam merecer uma dose maior.
A fome e o cansaço eram o pior. Os
sapatos rompiam-se de tanto caminhar os
pés doíam, mas havia que seguir em
frente. Quem lhes dera ter asas!
Encontraram outras aves que iam na
mesma direção e, durante algum tempo,
voaram juntas. Mas também apareceram
inimigos que aproveitavam os momentos
de descanso para as atacarem.
Às vezes vinham pessoas ao seu
encontro. Entregavam-lhes comida e
roupa limpa, tratavam-lhes as feridas e
anotavam as suas histórias. Outras
traziam armas e exigiam-lhes dinheiro
para os deixarem passar ou para os
levarem além-fronteira.
— Não consigo mais, mamã!
— O inverno voa mais rápido do que
nós. Mas temos de continuar. Cresceste
muito desde que partimos. Agora és
muito mais forte do que antes. Vais ver
que consegues!
A mamã-gansa cobriu-a com a sua
asa e olhou para norte, de onde vinham.
Havia nuvens no horizonte.
— Papá, não consigo mais!
— Claro que consegues. Ainda nos falta muito para chegar.
— Mas chegar… aonde?
— A um lugar onde não haja guerra.
— Tens a certeza de que isso existe, papá?
Chegaram ao mar, mas a terra que procuravam estava mais para além dele.
— Como vamos atravessar? Nem sequer se vê a outra margem.
— O mar está cheio de ilhas onde poderemos descansar. Nestas águas nasceu uma
civilização. Também aqui vai surgir a nossa nova vida.
Decidiram cruzar. Os mais pequenos voavam assustados.
Por baixo deles, o mundo inteiro parecia agora líquido e tenebroso.
Eram muitos os barcos que prometiam levá-los até ao outro lado. Alguns deles,
carregados até mais não, afundavam-se antes de chegarem à margem.
— Temos de seguir em frente!
Após uma longa viagem, todos alcançaram a margem que ansiavam.
Mas…
… enquanto os gansos chegavam ao verão do sul e aos horizontes abertos…
… os humanos chegavam ao inverno do norte e aos horizontes fechados por
fronteiras cercadas.
Daniel Hernández Chambers
Uma longa viagem
Matosinhos, Kalandraka, 2018