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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : A Avó que salvou um reino

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Era uma vez um imperador que tinha medo de envelhecer. Observava-se, muitas vezes, no metal do seu sabre. E, mal via um cabelo branco, arrancava-o furiosamente: — Enquanto for jovem e forte, todos me respeitarão. Mas, quando for velho, já ninguém me obedecerá! Num inverno, uma terrível fome abateu-se sobre o reino. As reservas de arroz não chegavam para alimentar o povo. — Que isso não seja um problema! Desembaraçamo-nos das bocas inúteis — declarou o imperador.— Os velhos já não servem para cultivar arroz. Para quê alimentá-los? Ordeno que, a partir de hoje, sejam abandonados na montanha. Deixados à sua sorte, longe de nós! Logo de seguida foram enviados mensageiros para espalhar a ordem.

E assim, em cada aldeia, cabisbaixas, as famílias seguiram o caminho da Grande Montanha dos Esquecidos para abandonar os seus avós. Nesse reino havia um rapaz chamado Chôji que vivia sozinho com a avó que ele amava acima de tudo. Moravam numa pequena casa, na margem de um lago, onde Chôji entrançava cestos de bambu que vendia na aldeia com os leques que a avó pintava. E nesses objetos delicados havia sempre o motivo preferido da velhinha: flores de cerejeira. Uma velhinha que era alegre como um passarinho e cujo pensamento era rápido como o vento… Após a chegada dos mensageiros, com o coração repleto de tristeza, Chôji pediu à avó para vestir o quimono mais quente que tinha e pegou nela às costas para a levar para a montanha.

Por um caminho íngreme, no meio de muitos pinheiros, o rapaz seguia em silêncio. Do outro lado do Templo do Ouro, numa encruzilhada, viu a avó começar a tirar ganchos do cabelo e a deitá-los para o chão. Um pouco mais longe, a velhinha repetiu o gesto. Admirado, Chôji perguntou : — Por que razão deitas esses ganchos para o chão? — Para que encontres o teu caminho de volta, meu querido — respondeu a avó. — Olha como brilham no meio das pedras! Assim, não te vais perder ao seguires os teus passos. Ao ouvir estas palavras, o rapaz desatou a soluçar. — Querida avó, eu vou abandonar-te e, mesmo assim, tu preocupas-te comigo!… Depois refletiu: — Não quero saber da ordem do imperador! Levo-te de volta comigo! Não te preocupes, vou esconder-te no grande cedro, perto do lago, e ninguém vai descobrir. Chôji esperou pelo crepúsculo. Depois, orientando-se pelos reflexos vermelhos dos ganchos, desceu a montanha com a avó às costas. Já noite, com a luz de uma lanterna, arranjou um esconderijo para a velhinha.

O coração da árvore milenar, cheio de belas saliências, era um sítio confortável para ela ficar. E todos os dias, às escondidas, trazia-lhe arroz e chá muito quente. A velhinha continuava a pintar os seus leques… e os pássaros faziam-lhe companhia. O tempo passou. No início da primavera, o imperador recebeu uma carta de um rival vizinho que o ameaçava. A carta dizia: — Antes da próxima lua, tens de me trazer: uma concha de caracol atravessada por um fio desde a sua abertura até à extremidade, o ribombar da trovoada e uma borboleta tão feroz que consiga pôr um tigre a fugir. Caso contrário, invadirei o teu reino. O imperador reuniu imediatamente os seus conselheiros para tentar resolver os enigmas. Mas, apesar das muitas tentativas, não foi encontrada nenhuma solução.

Em seguida, mandou chamar os maiores especialistas do reino: alfaiates, músicos, domadores de borboletas… Mas, por sua vez, estes homens tão sábios tiveram de admitir que não entendiam nada. Então, desesperado, o imperador mandou anunciar que ofereceria uma boa recompensa àquele que resolvesse os três enigmas e assim evitasse a guerra. Chôji ouviu a mensagem e foi procurar a avó. — Avó, como devo fazer para passar um fio dentro de uma concha de caracol, desde a sua abertura até à ponta? A velhinha, que observava a natureza há muitos anos, levou a noite inteira a pensar.

Ao amanhecer, exclamou: — É tão fácil! Apanha uma formiga e amarra-lhe um fio de seda. Depois, procura uma concha de caracol vazia. Faz um buraco no seu topo, coloca lá um gão de arroz e põe a tua formiga à entrada da concha. Atraída pelo arroz, a formiga seguirá o caminho da espiral que se encontra por dentro e sairá pela extremidade, com o fio! Chôji obedeceu. Apanhou uma formiga grande, atraiu-a com o grão de arroz e a formiga atravessou a concha com o fio atado. O rapaz soltou então a formiga e, fazendo uma grande vénia, não se esqueceu de lhe agradecer. Choji voltou então para junto da avó: — O que fazer, avó, para apanhar o ribombar da trovoada? A velhinha, que aprendera a escutar o mundo, levou a noite inteira a pensar.

Ao amanhecer, explicou: — É simples! Primeiro, prende um enxame de abelhas. Levanta, em seguida, a pele de um tambor, fecha o enxame lá dentro e torna a esticar a pele por cima. O teu tambor vibrará como o céu com trovoada. Seguindo estas indicações, o rapaz preparou o tambor. Uma vez fechadas, as abelhas começaram a fazer um barulho ensurdecedor. E pela terceira vez, Chôji foi perguntar à avó: — Avó, onde posso encontrar uma borboleta tão feroz que ponha um tigre a fugir? A velhinha, que conhecia tantas histórias fantásticas, levou a noite inteira a pensar. Ao amanhecer, anunciou: — É fácil! Arranja um rolo de fio, canas de bambu muito resistentes e dois retalhos de seda. Assim podes fazer dois papagaios. No primeiro, pintarás um tigre. No segundo, uma borboleta. Em seguida, amarra-os um ao outro com o fio, pondo o tigre por cima da borboleta.

Quando voarem com o vento, a fera fugirá do inseto. O jovem assim fez. Pintou dois papagaios, uniu-os e, a sorrir, viu-os subir no ar: os três trabalhos estavam prontos! Sem mais demora, Chôji colocou os três objetos num carrinho e dirigiu-se ao castelo para os mostrar ao imperador. Este observou-os atentamente: aproximou a concha de caracol dos seus olhos para seguir o caminho do fio de seda; encostou o tambor ao ouvido e recuou, assustado pelo estrondo do trovão; sorriu, por fim, como uma criança, quando viu um tigre a fugir de uma borboleta. — Conseguiste! Graças a ti o nosso reino não será invadido! O que desejas como recompensa? — Meu senhor! — respondeu Chôji. — Peço-vos a graça da vida da minha avó. Ela tem muita idade, mas eu gosto muito dela e não tive coragem de a abandonar na Grande Montanha dos Esquecidos como ordenastes. — Seja — disse o imperador. — Estás perdoado e a tua avó será salva.

Mas diz-me: como conseguiste resolver os três indecifráveis enigmas? Chôji baixou a cabeça: — Não fui eu quem descobriu a solução. Foi ela! — Mas então… — murmurou o imperador, — uma velhinha pode ser mais inteligente do que todos os meus conselheiros e do que todos os meus sábios juntos? Custa-me a crer… Envergonhado e arrependido, o imperador compreendeu que os mais velhos não são inúteis: a sua experiência e a sua sabedoria torna-os, pelo contrário, muito preciosos! Ordenou então que todos descessem da montanha, e decidiu que, a partir de então, os mais velhos seriam acarinhados e bem alimentados. E todos os dias alguém lhes iria levar um chá raro que prolongasse a vida, até mesmo aos mais fracos. A partir de então, o imperador deixou de ter medo de envelhecer.

E, quando descobria outro cabelo branco, ficava muito satisfeito: — Olha! Estou sem dúvida um pouco mais sábio do que ontem! Quanto a Chôji, correu para casa e libertou a avó do esconderijo. Para festejar esse grande dia, preparou algumas iguarias… Depois, os dois foram almoçar na margem do lago para admirar as cerejeiras em flor. Porque, no país onde o Sol nasce, não há espetáculo mais belo! Este conto, como todos os contos, atravessou os séculos e viajou de boca em boca, de pais para filhos… Cruzou-se com outros contos, vindos de outras paragens… E assim se foi perpetuando ao longo dos anos…

 

 

Claire Laurens La grand-mère qui sauva tout un royaume Voisins-le-Bretonneux, Rue du monde, 2012 (Tradução e adaptação)

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