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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : O soldado que procurava a guerra

 

O soldado que procurava a guerra No momento em que ele abriu os olhos, uma estrela cadente percorreu a noite. Saiu da valeta onde tinha caído, sacudiu a terra das roupas, apanhou a arma, procurou o capacete e não o encontrou.

Pôs-se em sentido: “Soldado Eustache, derrubado no auge da batalha, mas de novo pronto a combater!” Direito como uma estaca, esperou um bom bocado, mas não chegou nenhuma ordem que viesse perturbar aquele silêncio de morte. Cautelosamente, virou a cabeça para a direita, depois para a esquerda: a planície estava deserta.

“Esqueceram-se de mim – pensou ele.” Foi invadido por um frio imenso e começou a tremer. “Bem! Não vou ficar aqui plantado como um alho-porro.” Para ganhar coragem, começou a cantarolar: Eu sou um soldadinho, Sempre pronto, sempre aqui, Muito orgulhoso de si, Corajoso e tudo isso… Tatata!Tarará! – Tatata!Tarará! A corneta isto anunciará. E pôs-se a caminho num passo ritmado, bem decidido a encontrar a guerra.

Já tinha nascido o dia quando, finalmente, encontrou alguém. — Bom dia! Ando à procura da guerra. Sabe dizer-me onde posso encontrá-la? — A guerra? Por ali… Por acolá… Não vês, infeliz soldado, que vais encontrá-la por onde quer que passes? — Como é que sabe que sou um soldado? O senhor não vê! — Aprende, Soldado, também se vê com o coração e até talvez com mais certeza do que com os olhos — respondeu-lhe o cego, enquanto desaparecia naquela manhã de neblina. Eustache seguiu viagem. O sol fez uma tímida aparição.

As palavras do cego ecoavam na sua cabeça. Cruzou-se com uma mãe acompanhada pelas suas crianças. — Bom dia, minha senhora! Ando à procura da guerra. Sabe dizer-me onde posso encontrá-la? — perguntou ele educadamente. — Deixem-nos em paz! Já nos tiraram tudo! Tenham vergonha! Ofendido com as palavras da mulher e não sabendo como agir, avançou para fazer uma festa na cabeça do petiz. — Ui! Mordeu-me e fez-me sangue! — gritou Eustache. O céu ficou encoberto. De novo sozinho, Eustache voltou a cantarolar baixinho: Por que sou um soldado? Disso já não estou lembrado. De que serve tudo isto? Disso já não estou lembrado! Tatata!Tarará! – Tatata!Tarará! A corneta isto anunciará.

E retomou viagem. As primeiras gotas de chuva começavam a cair. E ele pensava nos camaradas do seu regimento. Onde estariam naquele momento? Chovia a cântaros. Não se via quase nada. Eustache tropeçou sem saber em quê e acabou estatelado na lama. Os trovões troavam e um raio rasgou o céu. De repente, diante dele, apareceu uma figura ameaçadora que o chamou com uma voz grave: — Então, Soldado, perdeste o norte? — Eh…Ando à procura da guerra…— gaguejou Eustache. A voz escancarou-se a rir: — Ah! Ah! Ah! Então, estás com pressa de morrer! Olha bem para mim, Soldado, antes, eu era assim como tu… Não te esqueças de mim, Soldado, não te esqueças de mim… E desapareceu por detrás de uma cortina de chuva. Encharcado até aos ossos,

Eustache avançava como um autómato. E a tempestade foi ficando para trás. Apercebeu-se de que perdera a arma, mas continuava a marchar, a marchar, a marchar… Esgotado, aproximou-se de uma casa em ruínas. Acendeu uma fogueira e aproveitou para se lavar um pouco. Enquanto as roupas secavam, deitou-se e adormeceu profundamente. O sol já estava alto quando uma baforada de calor o acordou. Era tarde demais! Das suas roupas apenas restavam cinzas! Encolheu os ombros e retomou o caminho com um passo apressado. Pôs-se, então, a cantar bem alto: Já não sou um soldado, Não quero fazer mais isto, Andar de passo marcado, Agora é que eu desisto. Tatata!Tarará! – Tatata!Tarará! A corneta isto anunciará.

De repente, apareceu uma menina por detrás de uns arbustos, a rir: — És tão engraçado! Quem és tu? Surpreso, Eustache pôs-se em sentido e anunciou: — Soldado Eustache, sempre pronto a comb…— mas calou-se e desatou a rir. — Um soldado não se porta assim! — disse a garota. — Pareces mais um palhaço! — Isso é verdade, — admitiu Eustache — mas não sou um palhaço. Para falar verdade, já nem sei bem quem sou. — Eu ando a apanhar lenha para o forno. E com a minha mãe, vamos fazer pão. Queres ajudar-nos? — Mas eu não sei como se faz pão — disse Eustache. — Queres aprender? — perguntou a menina.

Eustache foi com a menina pelo caminho que a conduzia a casa. O sol punha-se lentamente no horizonte. — Tu ainda cantas aquela canção? — perguntou a menina. — Eh…gosto muito dela. — Mãe! Mãe! Este é o Eustache. Quer aprender a fazer pão. Após um momento de surpresa, a mãe desatou a rir. Eustache corou e começou a gaguejar: — Desculpe, queimei as minhas roupas. — Não precisa de pedir desculpa. Há muito tempo que eu não me ria assim. Eu já lhe arranjo alguma coisa para vestir. Depois, começaram a misturar a levedura, a farinha e a água… Enquanto a massa repousava, a menina adormeceu.

Eustache e a mãe conversaram toda a noite à lareira. Começava a nascer o dia. Este era o momento preferido da menina, quando misturava e espalmava a massa, dando gritos de alegria. A massa foi dividida em três partes e colocada no forno. As chamas crepitavam alegremente. Eustache saiu por momentos. Lá fora, um cheirinho a pão pairava no ar daquele início de manhã. Respirou profundamente. “ Temos um belo dia pela frente!” pensou Eustache. Mario Ramos Le Petit Soldat qui cherchait la guerre Paris, l’école des loisirs, 1998 (Tradução e adaptação)