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Blog do Vavá da Luz

CULTURA DA TERRA, DENNIS MOTA EXPLICA COMO FORAM FEITAS AS GRAVURAS NAS ITACOATIARAS

Dennis Mota Oliveira – Acadêmico em Geografia – UEPB / Sócio efetivo da Sociedade Paraibana de Arqueologia e do LABAP/UEPB Laboratório de Arqueologia e Paleontologia

Belleti (et. al. 2008: 1) afirmam que “um dos grandes obstáculos para a Arqueologia é

que seu objeto de estudo limita-se aos artefatos já prontos que nos foram ligados pelo passado”. De forma geral, pouco se sabe como certos materiais arqueológicos eram confeccionados. Por não permitir a reconstituição do processo de produção que os gerou, deixando lacunas, criando vazios nas análises acerca da cultura material dos grupos humanos. É a partir dessa preocupação que a Arqueologia Experimental tem a nobre missão de tentar reconstruir cadeias operatórias e, por extensão, o modus vivendi dos grupos humanos.

O universo arqueológico é cheio de constantes incógnitas, que nos estimula a buscar as

respostas para coisas tão misteriosas e surpreendentes, como são os legados deixados por

nossos ancestrais.

Diferente de outras ciências, a Arqueologia tenta explicar o objeto de suas pesquisas,

porém tudo paira no campo das suposições, afinal, não se pode afirma com certeza a respeito

de fatos ou de coisas que aconteceram a centenas ou até mesmo milhares de anos atrás. Por

mais que as provas sejam concretas, tudo é contestado.

Arqueologia Experimental consiste na tentativa de reproduzir artefatos, através das

“mesmas” técnicas e usando os mesmos recursos que dispunham os homens primitivos.

Neste artigo, o objeto de estudo é a tão controversa técnica de execução das Itacoatiaras,

palavra de origem tupi que significa Ita = pedra + kwatia = lavrada, escrita, rabiscada. Esse tipo

de “escrita” surgiu não se sabe exatamente onde, quando e nem quem foram os autores de tão acurada técnica, capaz de gravar rochas duríssimas com uma perfeição extraordinária. Tais

gravuras repousam em rochas no leito de rios, riachos, poços e pequenos mananciais hídricos

espalhados por todos os continentes (SANTOS, 2008).

Após um longo tempo de observação e pesquisas por vários sítios do Estado,

deparamo-nos com diferentes técnicas de confecção, sendo assim,  chegamos à conclusão de

que a técnica usada varia de acordo com a localização e a dureza do bloco suporte. Gravar a

rocha era uma tarefa que exigia do seu artífice dias, semanas ou até mesmo anos.

Anne-Marie Pessis (2005) aponta para alguns fenômenos que devem ser levados em

consideração no processo de confecção das gravuras rupestres, que são os seguintes: a

matéria-prima gravada; os instrumentos utilizados para gravar; o processo de gravação da rocha suporte; e, por último, os conhecimentos técnicos. Segundo ela, eram usadas três técnicas distintas: a incisão, a raspagem e o picoteamento.

Nos sítios espalhados pelo Estado, predominam as gravuras feitas sob a técnica de

raspagem e de picoteamento. Após empreendermos-nos no estudo destas técnicas, sugerimos

que ambas eram usadas simultaneamente. Para dar credibilidade a esta questão, decidimos

tentar confeccionar uma gravura, tomando por base, não só as técnicas, mas também as etapas acima citadas por Anne-Marie.

 

DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES

 

Selecionamos um pequeno bloco de gnaisse e alguns seixos de quartzo  no formato

cilíndrico alongado, recolhidos no riacho Bacamarte. O bloco (matéria-prima a ser gravada) tem forma arredondada e sua superfície é lisa. Os homens primitivos escolhiam em sua maioria rochas de superfície lisa, pois com isso tinha uma vantagem considerável. Numa rocha lisa, batendo uma pedra contra a outra, em pouco tempo, a rocha começa a se estilhaçar, e com a ação contínua de golpes no mesmo lugar, começa a surgir um pequeno sulco, a partir daí se pode ir dando forma à gravura. Como a superfície é lisa, é notório o resultado, mesmo diante da menor ação ocasionada pelos golpes.

Quando se tenta fazer o mesmo processo numa rocha um pouco granulada, há uma

grande dificuldade de obter um resultado notável. A rocha, já apresenta grânulos que além de

impedir um bom acabamento, deformam as bordas, o que torna a figura disforme ou fora do

padrão aspirado.Os instrumentos próprios para gravar devem ser mais resistentes do que a rocha

suporte, pois esses sofrerão maior impacto por serem em menor tamanho. Daí acreditamos que empiricamente os antigos gravadores das itacoatiaras tinham conhecimento que uma rocha mais dura podia ser utilizada para riscar e gravar uma mais maleável, num pré-ensaio da escala de dureza de mor.

 

INÍCIO DA GRAVAÇÃO

 

Quando iniciamos o experimento, começamos a notar que o trabalho não era tão

complicado e, apesar de duro, não parecia ser tarefa difícil para aqueles povos primitivos que

detinham a técnica. Ao contrário do que muitos estudiosos como Gilvan de Brito (1988: 46)

afirmam, o impacto obtido, através do choque de pedra sobre pedra, não leva à quebra das

bordas, principalmente quando se tem um total conhecimento do processo que se está

realizando.

A partir do momento em que se obtém o primeiro sulco, o trabalho começa a ganhar

progresso, bastando assim um pouco de habilidade para produzir traços arredondados e força,

nos punhos, para que os golpes possam atingir uma maior profundidade. Para que as gravuras

sejam profundas é necessário que elas tenham traços largos. Quanto mais fino o traço, menos

profunda será a gravura. Isso porque, ao passo que se  vai aprofundando os golpes, o

instrumento que está gravando começa a bater nas bordas, com isso há um alargamento

proposital.

Tomando-se por base puramente a técnica de raspagem, seriam necessários dias para

se obter o mínimo resultado e, segundo observamos, o resultado não se equipara aos sítios

analisados. A raspagem, na verdade, é apenas um complemento no processo de gravação, que

vem a obter êxito, quando se faz o uso da água adicionada à areia, de onde se tira o fino

acabamento.

Para que as bordas fiquem arredondadas e bem acabadas é preciso utilizar um

instrumento de maior proporção do que a própria borda e principalmente que seja um seixo

rolado, quando se esfrega os instrumentos, o polimento vai ocorrendo facilmente mediante o

atrito, com isso, os grãos de areia vão se diluindo, dando origem a uma espécie de argila muito

fina e viscosa.

A gravura quanto mais profunda, mais fácil é o processo de polimento, pois a pedra

polidora desliza ligeiramente e é conduzida automaticamente pelas veredas talhadas no suporte.Sem água não se tem polimento, daí um dos motivos das itacoatiaras serem encontradas sempre próximas de fontes hídricas. Á água é que fixa a areia junto à rocha, formando uma espécie de lixa.  As mãos, além de calejadas, ficam também muito finas, podendo até chegar a sangrar. Outro fruto inevitável deste trabalho são os calos, causados pelo constante atrito da rocha com as mãos. Os ossos das mãos ficam bastante doloridos, dando a impressão de estarem quebrados. Nos ouvidos se repetem por cerca de dois ou três dias o barulho que provém de sons agudos produzidos pelo choque de pedra contra pedra

 Cadeia operatória do processo de gravação (experimento).

Após visitarmos diversos sítios e fazermos várias anotações e experimentos, concluímos

que ao invés de classificarmos o picoteamento e raspagem como técnicas distintas,

classificamo-las apenas como etapas que são usadas em conjunto para um mesmo objetivo.

Chegamos a essa conclusão depois de observar a riqueza de detalhes e o cuidado no

acabamento dessas gravuras. Por que algumas têm um acabamento tão perfeito e outras são

apenas gravuras toscas, meramente rabiscadas?

Essa questão é simples de ser respondida: porque as gravuras rabiscadas ou

superficialmente picotadas nada mais são que um produto inacabado. Por algum motivo

desconhecido nesses sítios, os trabalhos foram interrompidos e abandonados. Como bem

mencionou Vanderley de Brito (2007), todas as itacoatiaras sugerem ter sido feitas pelo mesmo espírito idealizador da Pedra de Ingá, ou seja, grandes artífices, talvez uma cultura em seu mais

elevado grau de desenvolvimento. Se for notória a preocupação com o acabamento, por que se fariam gravuras toscas, como as gravuras picoteadas?

Talvez não se trate do mesmo grupo étnico. Essas questões continuarão a povoar

nossas mentes, pois é difícil chegar a uma conclusão concreta.

A raspagem se aplicada em rocha muito dura sem a ajuda anterior do picoteamento, não

gera resultado, mas há exceções, segundo observado na itacoatiara do Estreito, em Campina

Grande; lá, o suporte é formado de uma espécie de arenito, rocha muito frágil e de fácil

degradação. As gravuras do Estreito foram feitas puramente por raspagem, sendo assim,

uma rara exceção. Para comprovar esse fato, recolhemos um pequeno bloco de rocha, com as

mesmas características da rocha suporte e iniciamos mais um experimento. Atendendo as

nossas expectativas, o pequeno bloco não ofereceu nenhuma dificuldade de ser gravado. Em

apenas 30 minutos, foi possível confeccionar uma gravura. Nesse tipo de rocha, não

há condição para que se faça o uso do picoteamento, pois a rocha se esfarela muito facilmente. As gravuras do Estreito sugerem ter sido muito mais exuberantes e profundas, a ação da água e das intempéries parece ter desgastado seus traços.  Experimento produzido na rocha recolhida no sitio Estreito, Campina Grande – PB.

Em suma, a experiência em gravar a rocha serve de demonstrativo de todo o processo

operário dos grupos humanos pré-históricos que, há milhares de anos, deixaram gravados em

suportes rochosos as incógnitas que temos hoje. A experiência, simbólica, leva-nos a conjeturar acerca de possíveis modelos explicativos sobre o processo de confecção de gravuras rupestres.

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